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Imprensa precisa ter lei?

 

Gostaria de lembrar um caso pessoal, um julgamento do STF em 23 de setembro de 1964


VOLTA À discussão a necessidade ou não de uma Lei de Imprensa, assunto recorrente e atribuído genericamente aos regimes totalitários. Não entendo nada dessas coisas, mas gostaria de lembrar um caso pessoal, reportando-me a um julgamento do Supremo Tribunal Federal em 23 de setembro de 1964, tal como consta na obra de Jardel Noronha de Oliveira e Odaléa Martins, "Os IPMS e o habeas corpus no Supremo Tribunal Federal" (1967, volume 1, páginas 143 e seguintes).


Por iniciativa do então ministro da Guerra, general Costa e Silva, fui processado como incurso num dos artigos da Lei de Segurança Nacional devido a artigos que publicara no "Correio da Manhã" desde o dia 2 de abril de 1964 e que foram considerados caluniosos aos militares que deram o golpe daquele ano.


Apesar da truculência do ato institucional que inaugurou o regime ditatorial, ainda havia escombros de legalidade e eu tive o direito de aceitar o apoio de um jurista famoso, o ex-ministro do STF Nelson Hungria, que se ofereceu graciosamente para me defender junto àquela corte.


Transcrevo a petição inicial com que ele impetrou o habeas corpus que me livraria da Segurança Nacional, desclassificando o processo do ministro da Guerra de me punir com os rigores daquela lei, fazendo o caso correr pela Lei de Imprensa, pela qual seria condenado, como de fato o fui, a apenas três meses de detenção:


"Tendo o paciente publicado uma série de artigos no "Correio da Manhã", em veemente crítica aos chefes militares e seus agentes de farda que, após a chamada "Revolução de 1º de abril", assumiram o Poder e teriam passado a cometer erros e arbitrariedades, desmandos e iniqüidades, veio ele a ser denunciado perante a referida Vara Criminal, como incurso no art. 14 da Lei de Segurança (Lei nº 1.802, de 1953), combinado com o art. 51 do Código Penal, sob fundamento de haver provocado animosidade entre e contra as Classes Armadas; e a denúncia logrou ser recebida tal como nela se contém, abstraindo o Juiz o conhecido pronunciamento desta egrégia Corte da Justiça, no sentido de que, quando feita pela imprensa, e seja realmente reconhecível, (o que não ocorre no caso vertente), a provocação de animosidade entre ou contra as Classe Armadas, ou destas contra as classes civis, deixa de se enquadrar na Lei de Segurança para incidir no art. 9. letra a, da Lei de Imprensa (Lei nº 2.083, de 1953). Tal critério de decisão foi, como é sabido, adotado quando do julgamento do habeas corpus, nº 37.522, impetrado em favor dos jornalistas Prudente de Morais Neto e João Portela Ribeiro Dantas.


O próprio ilustre procurador-geral da República, por cujo intermédio foi uma representação de S. Exa. o ministro da Guerra, relativa ao caso, enviada ao ilustre dr. procurador-geral do Estado da Guanabara, ressalvou expressamente que os fatos atribuídos ao paciente constituíam violação do citado artigo da Lei de Imprensa; mas o promotor escolhido para o caso, depois de, por conta própria e gratuitamente, injuriar o paciente, dizendo-o a serviço dos "corruptores e subversivos" do governo deposto, para solapar as "forças revolucionárias" confundidas estas no texto da denúncia com as classes militares, voltou as costas ao ofício do chefe do M.P. Federal, para pedir contra o paciente o rigor da Lei de Segurança, tendo o titular da Vara recebido sem discrepância a denúncia. Assim, ao invés de simples detenção, de um a três meses, com prescrição da ação penal em 2 anos (art. 88 da lei 4.119, de 1962) e com direito à suspensão condicional da pena e fiança (para poder apelar no caso de eventual condenação), e sem a obrigação de estar presente aos trâmites do processo (art. 35,parágrafo 2º. da Lei 2.083), está o paciente correndo o risco de ser condenado à grave pena de reclusão, de 1 a 3 anos (art. 14 da Lei de Segurança), sem qualquer dos benefícios acima referidos.


Manifesto o iminente constrangimento ilegal, o impetrante espera que seja deferido o habeas corpus, para o fim de ser retificada a denúncia contra o paciente, capitulando-se os fatos imputados no art.9, letra a, da Lei de Imprensa, consoante a jurisprudência deste Colendo Pretório. (a) Nelson Hungria."


Folha de S. Paulo (SP) 7/3/2008