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Obama e a tragédia americana

 

O vagalhão de surpresas pré-eleitorais americanas é de um ativo histórico inaudito da democracia.  O interesse de sair de casa para os “cáucus” renova a confiança ancestral nas instituições e na quebra, pelo voto, da inércia dos situacionismos políticos. É a primeira vez, em mais de século, que a ida às urnas será de mais de metade do eleitorado. E esses 10 ou 15% do novo afluxo não obedecerão às opções prévias e sabidas de um bipartidismo tradicional da vida política americana. O oportunismo de um Ralph Nader, por exemplo, a esta altura, é o de pescador em águas turvas da surpresa, como um candidato independente. E em vão diante destas condições absolutamente impensáveis, ainda a um trimestre da chegada de Obama à Presidência da República. Mal começa o país a experimentar a violência emocional desta “terça crucial”, capaz de chegar à tragédia que volta a rondar o inconsciente coletivo dos Estados Unidos.


As fotos de campanha foram ao “close-up” implacável de Hillary, exibindo as rugas crescidas por entre a face impecável, nas dobras das onze derrotas das últimas semanas e no presságio que auguram os resultados do Texas e do Ohio. E o abate, de vez, da chamada mudança com alternância nos cânones das boas seqüências dinásticas no Salão Oval. Restam à Madame Clinton os bom protocolos do exit.


 Dois mil e oito é, de qualquer forma, a superação do preconceito de gênero e de cor, na indiscutibilidade das candidaturas para a escolha democrática em novembro próximo. Mas a viabilidade de uma mulher na Casa Branca foi superada por uma aceleração maior ainda do desejo radical de mudar. Mas a que torvo preço cresce a esperança temerária, de que o ganho de Obama reproduza o ciclo de horror do assassinato de Presidentes e candidatos que acompanha desde meados do século XIX a cultura americana? Lincoln, Cleveland e os irmãos Kennedy compõem esta saga, que levou ao delírio do cidadão, a enlouquecer, no abate sacrificial dos Chefes de Estado. O regime das liberdades democráticas permitiu o exibicionismo patológico de um Wilkes Booth, com Lincoln, ou da compensação psicótica de Oswald, com Kennedy.


A pergunta sombria vai hoje a esta América levantada em turbilhão, possuída pela certeza de seu novo poder eleitoral. Mas talvez a não se dar conta dos choques desta aceleração que descartaram Hillary e põem o seu contendor na mira de qualquer lunático, salvador da “sua” América, diante do insuportável de uma Presidência Obama. Não há, hoje, maior pânico frio, disciplinado do que o da proteção do candidato diante da catástrofe nacional deste desfecho na campanha ou após a vitória.


A reação americana diante de um nome moderado como McCain junta todo o inconformismo com a saída do poder dos neocons e belicistas crassos, e do evangelismo coriáceo que marcou a exasperação do Salão Oval de Bush. Mas o larguíssimo passo à frente está dado e se tornará definitivo no convite, como pensado, a Nancy Pelosi, a Presidente da Câmara, para Vice na chapa indemolível de uma nova América.  A que reencontra, a risco de um excesso de esperança, o país de Lincoln, Roosevelt e de Kennedy.


Jornal do Brasil (RJ) 5/3/2008