O estilo mangá tanto pode ser visto em boas lojas da capital japonesa quanto nas embalagens de produtos brasileiros de perfumaria
AS PORTAS da cultura brasileira estão abertas às nações amigas. Assim como os portos, desde o século 19 não há restrições à entrada de produtos estrangeiros, como aconteceu com o fenômeno da transplantação de cultura, representado pela adoção oficial do ensino mútuo ou lancasteriano em nossas escolas.
Quando ainda vivíamos a fase mais aguda do analfabetismo, alguns bons brasileiros trouxeram da Inglaterra uma espécie de educação, baseada na figura dos tutores, que não tinha nada a ver com a nossa realidade. Era uma solução tipicamente inglesa, para um problema que dizia respeito ao início da Revolução Industrial. A interpretação cabocla foi inteiramente equivocada. Resultado: o nível educacional baixou mais ainda.
Agora, com o avanço da globalização, a presença de satélites e computadores abrevia os caminhos da influência cultural. Não chega a ser uma tragédia, sobretudo se soubermos dosar o que vem de fora, para evitar exageros. O caso da violência é bem característico dessa preocupação, dominante no espírito dos que fazem a programação infantil das nossas televisões comerciais. Vivi uma experiência interessante.
No imenso aeroporto de Tóquio, a espera é angustiante. Você entra e sai das mesmas lojas diversas vezes. Enquanto não reabre o aeroporto de Nova York, fechado por uma nevasca, não há como deixar a base em que nos encontramos. Na poltrona da sala VIP, refestelada, uma criança japonesa está inteiramente envolvida pela leitura de uma história em quadrinhos. Aliás, várias histórias e diversas revistas. Todas de mangá, a coqueluche do público infanto-juvenil.
A moda ganhou mundo, com a publicação se expandindo para outras praças. Houve o reforço dos desenhos animados (anime) que chegaram às telas brasileiras, povoadas de heróis.
O estilo mangá tanto pode ser visto em boas lojas da capital japonesa quanto nas embalagens de produtos brasileiros de perfumaria. Os jovens que constituem a maioria dos interessados na novidade desfilam sobretudo para serem vistos, adorando fotos.
Estamos, pois, no olho de um furacão chamado mangá, sinônimo, para a juventude, de tempos de mudança. O Japão tornou-se uma grande fonte de consumo, com a reação esperada da sua economia, depois de anos de dificuldades, e hoje as lojas, como vimos, estão cheias de clientes ansiosos por novidades. As mulheres gostam do consumo e os homens não ficam muito atrás. Vestem-se com elegância, não raro com o lenço saliente no bolso do paletó, cabelos gomalinados, como se estivessem vivendo de fato uma nova realidade.
A revolução que se prenuncia -e que apresenta os seus sinais de forma expressiva- toma conta do coração dos jovens nas ruas da capital. Vestir mangá é estar na moda, motivo de confraternização, cordialidade no trato. Não custou muito a chegar ao Brasil, primeiro nos filmes para crianças, depois com as histórias em quadrinhos e agora por intermédio da moda.
Trouxe conseqüências para a cultura brasileira. Um par de namorados, outro dia, fugiu de suas respectivas casas para viver uma aventura mangá, com as roupas características e os berloques complementares. Ela com 14 anos de idade, ele com 17. Foram recapturados dias depois, em outro Estado, mas estavam felizes da vida, "pois não podiam suportar as restrições dos pais à sua forma de viver e se vestir". Eles lutam por sua aparência, quando isso parecia que pouco importava. Agora, é uma forma de caracterizar uma certa rebeldia contra os padrões vigentes.
São tempos de mudança, inserção na pós-modernidade, forma de entendimento pela aparência, o que naturalmente tem os seus riscos. Os nossos colecionadores desse gibi dos tempos modernos são numerosos. Livrarias de tradição colocam revistas mangá em suas estantes e ateliês de pintura ensinam a desenhar nesse estilo, que mistura cultura pop com o realismo fantástico.
Conhecer o fenômeno é uma forma de colocar limites em sua expansão, para que prevaleça, no espírito dos jovens, se possível, muito mais a riqueza da cultura brasileira.
Folha de S. Paulo (SP) 12/2/2008