Em busca de tema para esta crônica, entrei no noticiário da Folha Online e digitei as palavras "Depois do Carnaval". Fiquei espantado com a quantidade de notícias sobre coisas que só vão acontecer depois do Carnaval. Lista dos 150 proprietários que mais devastaram a Floresta Amazônica? Depois do Carnaval. Decisão sobre a comercialização de milho transgênico? Depois do Carnaval. Abertura do ambulatório do Hospital de Clínicas de SP? Depois do Carnaval. Ou seja: o ano só começa mesmo depois do Carnaval. O que tem certa lógica, quando se considera a tradição carnavalesca do Brasil. Mas constata-se também que, quando é necessário e urgente, as coisas acontecem: o caso das medidas que agora regulam o uso de cartões de crédito por membros do governo, uma prática que ameaçava transformar a administração pública em festejo de Momo. Será que o Carnaval às vezes não serve de pretexto para empurrar coisas com a barriga (às vezes cheia de tapioca)? Respostas depois do Carnaval.
Termina o Carnaval, mas a quarta será gloriosa: assinala o quarto centenário de nascimento do Padre Antonio Vieira, uma das mais extraordinárias figuras de nossa história. Filho de mulato, nascido em Portugal, Vieira veio para o Brasil ainda criança, foi educado pelos jesuítas, tornou-se sacerdote. Sua movimentada carreira eclesiástica foi também literária, como o mostram os notáveis sermões, e política. Defendeu os índios e lutou pela inclusão de Portugal, e do Brasil, no contexto internacional: dava-se conta, assim, do já incipiente processo de globalização. Na Holanda, para onde foi enviado em missão do governo luso, fez contato com cristãos-novos que tinham sido expulsos de Portugal, e tratou de convencê-los a investir no Brasil, o que acabou lhe valendo uma temporada nos cárceres da Inquisição. Vieira foi o pioneiro da modernização brasileira. E foi um grande homem.
Está sendo lançada a candidatura do dramaturgo Augusto Boal para o Prêmio Nobel da Paz. Grande autor e diretor, defensor da liberdade de expressão e dos direitos humanos (o que o levou ao exílio na época da ditadura), criador do Teatro do Oprimido, uma dramaturgia baseada nas idéias do educador Paulo Freire, Boal é um grande nome. Quem quiser apoiar a indicação deve escrever uma carta (e-mail não serve) para o Norwegian Nobel Committee, Henrik Ibsens gate 51, NO-0255, Oslo, Norway, identificando-se, dizendo a que organização está ligado, se for o caso, e explicando os motivos da indicação. Já que, com a recusa de O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias não vamos concorrer ao Oscar, tratemos de ganhar o Nobel ou, pelo menos, de lembrar para o pessoal do Nobel que o Brasil existe, e que não é só Carnaval.
Zero Hora (RS) 5/2/2008