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No âmago dos conflitos do século XXI

 

O fórum da Aliança das Civilizações, em Madri, deu início à nova etapa da preocupação das Nações Unidas com a profundidade dos conflitos globais, emergentes em nosso tempo. Da amplitude da hegemonia americana, levando às guerras preemptivas, à irrupção cada vez maior do terrorismo, desgarrado inclusive da Al-Qaeda, para a expressão sombria de um “mal-estar” crescente do inconsciente coletivo islâmico. A Aliança quer vencer a tentação, na diretriz do novo Comissário Geral, Jorge Sampaio, ex-Presidente de Portugal, do mero voluntarismo internacional, ou da retórica das boas intenções, impotentes no mundo prefigurado pela queda das torres de Manhattan.


Há que vencer, de vez, a pregação ingênua da velha “cultura da paz”, e da confiança a-crítica no diálogo, sem se dar conta das ideologias e dos estereótipos a que pode levar o progressismo ocidental, para muitos chegado a um verdadeiro rapto da alma do Islão, ao que respondeu à violência da revolução Khomenita no Irã. Que irrupções subseqüentes se poderiam manifestar na mesma linha da Al-Qaeda, mas revide novo e mais profundo, do que a dos terrorismos clássicos?


Não se trata mais de divagar  sobre as teses do “conflito de civilizações”, mas de ir ao nervo concreto, a partir de uma visão prática, agora desembaraçada das inefáveis declarações de princípios. A Aliança indo ao cerne da problemática procura desenhá-la, não só ao nível dos Estados, ou das ONGs, tantas vezes também seduzidas pelo imediatismo ideológico, mas das lideranças empresariais e sindicais e, sobretudo, das novas gerações, como se exprimem nas universidades.


Poucas vezes a dita opinião pública mitificou, em nível internacional, a consciência emergente dos conflitos de identidade histórica, remetidos ao mundo de antes do 11 de setembro. O programa quer abrir-se a esta conversação múltipla e até contraditória, no formato dos fóruns como o de agora, na Espanha, no primeiro encontro de Madri, e subseqüentemente de Istambul, em 2009, e do Rio de Janeiro, em 2010.


  A Aliança das Civilizações é programa fundamental, hoje, do Presidente Zapatero, cioso de fazer da latinidade a alternativa a um Ocidente hegemônico, em bem da larga plataforma do encontro clássico com o Islão, que representa a Bacia Mediterrânea. É neste mesmo quadro que encontra parceiro natural na Turquia de Erdogan, a transformar seus 73 milhões de habitantes em principais parceiros demográficos do “Velho Continente”, no contraponto ao que, há um lustro, ainda, se veria como os jogos feitos da globalização, a partir do outro lado do Atlântico.


O essencial na iniciativa está em manter-se os “olhos de ver” na garantia do que seja o factual nesse “vis-à-vis”, como base para a desimpedida interpretação dos conflitos sem verdadeira instância crítica. Deu-se conta o fórum, a título de exemplo, da rede Murdoch e da Fox News, o enlace como terraplanagem da realidade à conveniência do sistema mediático. Da mesma forma, a Aliança propõe-se a um clearing house internacional, para assentar a autêntica polêmica de nosso tempo, fora das ditaduras da relevância imposta pelos meios de comunicação.


Avançou o reclamo, pela urgência da violentação sistemática dos fatos, com vistas a sua exploração ideológica. Neste particular, reconheceu-se o exemplo brasileiro, como o de uma das Constituições pioneiras em garantir o direito de redargüir-se a agressão à imagem, “na intensidade e na rapidez exigida pelo agravo”. Mas a desmistificação do diálogo, como assentou o Fórum de Madri, vem de par com a afirmação concreta da defesa comum de exigências universais entre as culturas. Nelas, os direitos humanos não são uma “ideologia ocidental”, mas o chão de um mundo que se olha nos olhos, e não um “choque de civilizações”, independentemente de suas legítimas diferenças.


Jornal do Commercio (RJ) 1/2/2008