O TRATADO DA TRÍPLICE ALIANÇA
(Nesta carta Otaviano defende com calor a sua obra - o Tratado da Tríplice Aliança - das críticas que sofrera no Conselho de Estado por Pimenta Bueno e os seus dois caducos companheiros - Uruguai e Jequitinhonha.)
Buenos Aires, 26 de abril de 66.
Confidencial
Meu caro Saraiva.
As observações, que o despeito político inspirou ao Pimenta e que foram subscritas pelos seus dois caducos companheiros, dão a medida da política conservadora futura e explicam a esterilidade de suas manobras passadas no Rio da Prata. Entende o Pimenta que devemos nutrir eternamente a discórdia entre portugueses e espanhóis por um sistema de reservas, de suspeitas e de amesquinhamento da República Argentina, como se o Brasil só pudesse prosperar na América, se tudo em torno dele descer às proporções de pigmeu. Essa política, aconselhada pelo Pimenta, e que ele chama tradicional, só nos tem trazido decepções, guerras e espantoso crescimento da dívida pública. Pretender continuá-la na única condição em que podíamos fazer uma paz duradoura será bom para os que não presenciaram o sofrimento dos brasileiros nesta guerra. Por mim o declaro, pertenço à escola dos que hão de aconselhar ao Brasil a paz com seus vizinhos desprendendo-se das pretensões dos tratados portugueses. Sobre isto tenho uma memória escrita mostrando quão útil nos houvera sido renunciar, a benefício de inventário, certa parte da herança colonial.
E vou te maravilhar! Tenho uma carta do Wanderlei que me fortalece nas minhas ideias!
Não podes perder tempo, nem eu escrever longamente. Portanto em poucas palavras resumirei as acusações do inimigo, que esse foi o caráter assumido pelo Conselho de Estado.
Principal ponto: deixei engrandecer-se a República Argentina com sacrifício da nossa política tradicional.
O Tratado da Aliança era contra o Paraguai: a República Argentina e o Brasil foram provocados à guerra (isto é palpável) por causa das questões de limites com aquela potência. Com que direito a República Argentina, na ocasião da paz, nos recusaria exigirmos do Paraguai um tratado final de limites no sentido que nos parecesse justo? Toleraríamos que o seu Governo discutisse conosco se tínhamos ou não direito a exigir esta ou aquela fronteira? Que tem que ver a República Argentina nessa questão toda ela peculiar aos dois países? Pois agora voltam os termos ou antes mudam os personagens da luta. Com que direito iríamos nós discutir a natureza e fundamento dos limites reclamados pela nação Argentina do Paraguai? Só haveria uma face da questão a considerar: se o Brasil ou a República Argentina exigissem novas concessões de terrenos no Paraguai; se qualquer daquelas potências não se contentasse com terrenos disputados e sobre os quais não estava assentado ainda o direito do Paraguai.
Entenderam, pois, os plenipotenciários que não lhes cabia mais do que examinar se as atuais pretensões de limites das duas nações que se aliavam correspondiam às anteriores no seu máximo para estabelecerem na aliança que não se poderia pedir, depois da guerra, mais do que isso; o que não quer dizer que não se possa pedir menos.
De mais, tendo nós de preparar o terreno para obtermos da República Argentina o reconhecimento de nossos limites com ela ou a ratificação do tratado da antiga Confederação, iríamos, com uma falsa generosidade em favor do Paraguai e da Bolívia, criar embaraços à solução de nossos interesses ou suscitar na República a idéia de que a pretendíamos diminuir. Isto será bom para os grandes homens que querem eternizar o status quo... Mas me parece contrário à política liberal e prudente de acabarmos os germens da luta.
Diz-se que eu dei uma imensidade de léguas à República! Santo Deus, como se atira poeira nos olhos do povo! Que léguas são essas? São de campos férteis, de povoações ricas, de paragens aproveitáveis, de fortificações importantes? Não. São de pampas onde apenas habita o tigre e o índio cruel; não há ali uma povoação: não há um forte, porque as guardas que existem vão ser arrasadas; não será neste século nem no próximo, talvez, que o homem civilizado roteie aqueles campos. Diz-se: tudo isso devia ser para a Bolívia.
Primeiramente a coisa é tão boa que a Bolívia, com o triplo da população do Paraguai, nunca veio fazer estradas, nem estabelecer portos naquele território!
Depois, por que os meus antecessores não arquivaram, levando ao conhecimento do Governo Imperial, a resposta que receberam outrora da República Argentina? A República lhes disse: “Quereis compensar à nossa custa o que tendes invadido e recusais restituir à Bolívia.”
Mas deixando todas estas razões, o negociador brasileiro salvaguardou os direitos e interesses da Bolívia. Para que, pois, tanta exclamação, tanta fúria, pelo mal que nos pode vir de termos sacrificado a Bolívia, quando apenas anulamos o Paraguai, ou antes, quando apenas impedimos que o Paraguai tenha as duas margens de um rio, por onde precisamos passar? A questão grave e o ponto essencial das críticas é este! Tudo o mais são mexericos e ódios contra a aliança, a que o general Mitre vai respondendo com a maior lealdade.
Além dos mexericos, o que fez a Sessão de Conselho de Estado? Aí foi ela hábil. Sem dar desconto às dificuldades em que me achei, com governos que nos olhavam de revés e povos que nos queriam mal, a Sessão prevê a mudança de ideias e o melhor terreno que a aliança nos trará com o tempo e aconselha medidas, que são frutos da mesma aliança, e que bem compreende que havíamos de procurar colher! Mas a sua traição está em que as aconselha censurando que não fossem logo exigidas quando se fez o tratado! Fortes velhacos.
Encontro no parecer críticas de detalhes tão miseráveis e até contraditórias, que nem me atrevo a escrever-te sobre elas.
O Pimenta até entendeu que devíamos deixar ao Paraguai uma parte entre o Paraná e o Uruguai para fazermos estradas quando o houvéssemos de atacar alguma outra vez. Mas o diabo não se lembrou de que nesse caso haveria no rio Paraná uma extensão notável e estratégica, sobretudo em Candelária, onde o Paraguai ficaria senhor absoluto das duas margens e ilhas!... De sorte que para fazermos estradas estratégicas devíamos ficar expostos a esse perigo perpétuo!...
Atente bem a este ponto.
Também (e isto causou dores de cabeça a vocês mesmos) não ficou bem claro no tratado o arrasamento de todas as fortificações. Pergunta Pimenta: “e por que mesmo Humaitá figurou em anexo e não no tratado?”
Primeiramente já expus em ofício a razão política pela qual a República Argentina, cujos terrenos estão nas fozes ou nas águas baixas de nossos rios, não podia com toda a sem-cerimônia e em fraldas de camisa consignar o princípio de que as nações ribeirinhas em tais circunstâncias não deviam ter fortificações, ficando este direito somente para as ribeirinhas das nascenças do rio. O Brasil quer francamente dizer isto à Bolívia, ao Peru, para o Amazonas e seus afluentes?
Depois - e eis como se reduz a poeira todo esse castelo - só o Brasil tinha Esquadra nesta guerra e o almirante recebeu ordem minha, digo, instruções minhas para arrasar todos os fortes. Pois havia necessidade de pactuar com tanta solenidade o que dependia só de nós para a execução? Meu Deus! Deste modo os tratados vão a ser informes e ineptos e requerem congressos para sua discussão anterior.
Vejo que, entretanto, as censuras do Pimenta fizeram alguma impressão no ânimo do Governo Imperial. O projeto de instruções que me remeteste para me ouvires ressente-se disso.
Mas não te censuro. A tua posição é delicada. Devias prevenir mesmo a hipótese em que eu morresse ou a em que tu saísses do Ministério, e assim prevenias alguma asneira do meu sucessor temporário ou respondias a alguma acusação de teus sucessores. Só eu ficava um pouco esquerdo.
Devo, porém, dizer-te que no teu lugar faria o mesmo: e por isso não te escrevo estas linhas como queixa. Tanto, que te peço me mandes oficialmente as ditas instruções e contraprojeto com data anterior, para que algum trabalho que tenho combinado com Elizalde não fique em desacordo.
Em geral estou concorde contigo nas ideias das instruções e do contraprojeto. Minhas objeções são mais quanto a detalhes do que em relação à suma. Farei por obter quanto desejas; somente quando houver resistência invencível para as tuas ideias, substituí-las-ei pelas minhas.
Anuncia-se a vinda de um plenipotenciário da Bolívia, com credenciais para ti e para Elizalde. Manda-me elementos com os quais te possa preparar o terreno.
Sobre os outros assuntos te escrevo oficialmente.
Teu amo
F. Otaviano
RECORDAÇÕES
Oh! se te amei! Toda a manhã da vida
Gastei-a em sonhos que de ti falavam!
Nas estrelas do céu via teu rosto,
Ouvia-te nas brisas que passavam:
Oh! se te amei! Do fundo de minh’alma
Imenso, eterno amor te consagrei...
Era um viver em cisma de futuro!
Mulher! oh! se te amei!
Quando um sorriso os lábios te roçava,
Meu Deus! que entusiasmo que sentia!
Láurea coroa de virente rama,
Inglório bardo, a fronte me cingia;
À estrela d’alva, às nuvens do Ocidente,
Em meiga voz teu nome confiei.
Estrela e nuvens bem no seio o guardam;
Mulher! oh! se te amei!
Oh! se te amei! As lágrimas vertidas,
Alta noite por ti; atroz tortura
Do desespero d’alma, e além, no tempo,
Uma vida a sumir-se na loucura...
Nem aragem, nem sol, nem céu, nem flores,
Nem a sombra das glórias que sonhei...
Tudo desfez-se em sonhos e quimeras...
Mulher! oh! se te amei!
MORRER... DORMIR...
Morrer... dormir... não mais! Termina a vida,
E com ela terminam nossas dores;
Um punhado de terra, algumas flores,
E, às vezes, uma lágrima fingida!
Sim! minha morte não será sentida;
Não deixo amigos, e nem tive amores!
Ou, se os tive, mostraram-se traidores,
- Algozes vis de uma alma consumida.
Tudo é podre no mundo! Que me importa
Que ele amanhã se esb’roe e que desabe,
Se a natureza para mim é morta!
É tempo já que o meu exílio acabe...
Vem, pois, ó Morte, ao nada me transporta...
Morrer... dormir... talvez sonhar... quem sabe?
ILUSÕES DA VIDA
Quem passou pela vida em branca nuvem,
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu;
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu.