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Um verbo para começar o ano

 

O fim do ano é uma época associada à conjugação quase obrigatória de certos verbos: recordar, avaliar, adivinhar, prever. Ocorre-me que um outro verbo pode se juntar a estes. Antes disto, porém, deixem-me contar para vocês uma história que começou num 1º de janeiro.


Formado em Medicina, recebi meu diploma em dezembro e fui aceito para a residência no serviço do professor Rubens Maciel, na Santa Casa. Reunimo-nos, os residentes, para uma providência imediata: organizar uma escala de plantões. Não lembro exatamente por qual razão, mas a mim tocou o primeiro plantão, no primeiro dia do ano que começava. Notícia que recebi com euforia: estava ansioso por começar a trabalhar.


No 1 º de janeiro, lá estava eu, o estreante doutorzinho. E aí chegou um paciente, vindo do interior de Santa Catarina. De imediato me impressionou a cor do paciente; de origem alemã, com pele clara, ele estava marrom. A história era simples: a caminho do trabalho, tinha sido picado por uma aranha. O veneno tinha destruído os glóbulos vermelhos, cujo pigmento se impregnara na pele. A anemia era grave. O maior problema, contudo, era outro: os rins tinham parado de funcionar.


Naquela época não se fazia hemodiálise no RS. A família Chaves Barcellos tinha doado à Santa Casa um rim artificial, que ainda estava na embalagem: nunca tinha sido utilizado. A equipe da qual eu fazia parte, junto com a doutora Ana Maria Maciel Alves e o doutorando Domingos dÁvila, era chefiada pelo Dr. Antonio Azambuja e pelo Dr. Moysés Lerrer. Este, que estagiara em São Paulo, participara em hemodiálises, mas conduzidas por outros. Pessoalmente nunca se encarregara disso.


Mas não havia como hesitar. O homem certamente ia morrer. Tiramos o aparelho da embalagem e tratamos de prepará-lo, lendo as instruções. Era como se estivéssemos consultando um livro de culinária: "Coloque cem litros de água no recipiente. Adicione as substâncias de diálise..." Fizemos tudo, cânulas foram colocadas numa artéria e numa veia do paciente e a diálise começou e funcionou. Aos poucos, o paciente foi melhorando.


Eu gostaria de dizer que a história teve um final feliz, mas não teve. O estado do paciente era muito grave, e ele não resistiu à doença. Contudo, a primeira diálise tinha sido feita; outras se seguiram e mais adiante o procedimento tornou-se rotina, junto com o transplante, salvando muitas vidas. De certa maneira, a tentativa deu certo.


Tentar. Este é o verbo que deve ser adicionado à lista de 2008. Não somos obrigados a vencer, a triunfar. Mas vale a pena tentar. Isto é o que muitos brasileiros estão descobrindo. E é o que vai melhorar nosso futuro.


Zero Hora (RS) 31/12/2007

Zero Hora (RS), 31/12/2007