RIO DE JANEIRO - Houve tempo em que os jornais publicavam no Natal um editorial, crônica ou reportagem que começavam com este "bimbalham os sinos". Era o tempo, também, em que hospital virava "nosocômio", cemitério virava "necrópole" e bandido virava "meliante". Carnaval era o "tríduo momesco". E Papai Noel atendia pelo pseudônimo de "o bom velhinho".
"Mudaria o Natal ou mudei eu?" -é o verso final de um dos sonetos mais famosos da nossa língua, assinado por Machado de Assis, que não chegava a ser um poeta extraordinário, mas um observador cético, até mesmo cruel, da aventura humana. "Que eu, se tenho nos olhos mal feridos, pensamentos de vida formulados, são pensamentos idos e vividos" -foi assim que ele encerrou outro soneto famoso, dedicado à sua mulher.
Misturar sinos bimbalhando com Machado pode parecer uma extravagância minha, mas a verdade é que na infância os sinos ainda bimbalhavam, não apenas nas igrejas, mas no presépio que o pai armava todos os anos, patinhos de celulóide nadando num espelho que parecia lago, os personagens de sempre na manjedoura, o burro e o boi compenetrados -os primeiros a adorar o menino que nascera. Os três Reis Magos se aproximando, montados em camelos de barro. Por cima de tudo, um cometa prateado com uma estrela iluminada e o sininho que tocava quando o vento batia nele.
Numa de nossas épicas mudanças, o presépio ficou desfalcado, um dos camelos se esfarelou e o espelho do lago se quebrou. O pai já estava cansado, pediu-me que o substituísse. Preferi armar uma árvore de Natal, era menos complicado. O pai a detestou, considerou-a uma profanação. Velho jornalista, jornalista de outro tempo, ele disse que Natal sem sinos bimbalhando não era Natal.
Folha de S. Paulo (SP) 25/12/2007