Há uma polêmica em curso e ela está tendo repercussão nacional, com várias pessoas, algumas muito conhecidas, manifestando-se através da mídia. A polêmica é: pode, ou deve, a ciência abrir mão de experiências com animais de laboratório?
Sim, responde na Folha de São Paulo, a professora e filósofa Sônia Teresinha Felipe, e lista para isso alguns argumentos: "as descobertas científicas que mais contribuíram para prolongar a vida humana resultaram basicamente de estudos e observações clínicos, e não de testes feitos em animais". As drogas testadas em animais nem sempre funcionam. O organismo dos animais é diferente do organismo humano. A isso poderia se acrescentar o crescente movimento de defesa dos direitos dos animais, que tem como expoente o filósofo australiano Peter Singer, especialista em ética, e mundialmente conhecido por seu livro Libertação Animal, de 1975.
Mas as experiências com animais diz, na mesma Folha de S. Paulo, o professor e médico Luiz Eugenio de Araujo Moraes Mello, são absolutamente necessárias. Ele não hesita em afirmar que "a interrupção da experimentação animal representaria a morte de uma parte importante da ciência". E acrescenta: "Analgésicos, antiinflamatórios, vacinas, antibióticos, hormônios, dependeram tanto da experimentação animal quanto nós dependemos do ar para respirar e viver".
É preciso dizer que isso não é uma briga entre mocinhos e bandidos. Ambos os lados são movidos pela generosidade, pelo desejo de diminuir o sofrimento e a morte, seja de animais, seja de seres humanos. Mas a prioridade dependerá de quem está avaliando a situação e de onde está avaliando a situação. Vista do hospital, ou do consultório, a experimentação parece necessária. Milhares de drogas foram testadas em animais e, apesar das diferenças citadas com seres humanos, ajudaram muito na compreensão do seu modo de funcionamento. A verdade é que dependemos de outros seres vivos para a nossa sobrevivência. A nossa alimentação é uma prova disso. Comemos carne? Sim, comemos carne e talvez o nosso consumo de carne seja exagerado e perigoso, mas os animais carnívoros também comem carne. Os herbívoros não, mas os herbívoros comem plantas, e as plantas são igualmente seres vivos. A vida sustenta a vida: é assim que, gostemos ou não, a natureza funciona. A luta contra a doença é apenas uma parte do esforço de sobrevivência, de manutenção da vida. Na medicina, ela inevitavelmente inclui a experimentação em animais. É claro que a experiência desnecessária, e, sobretudo, a crueldade, devem ser condenadas. Um projeto de lei de 1995, de autoria do falecido deputado (e médico de saúde pública) Sérgio Arouca, foi um passo importante. Mas o trabalho não foi concluído, a regulamentação legal não está pronta. O que, com o debate que agora emerge, se configura como providência urgente.
Zero Hora (RS) 24/11/2007