A Academia Brasileira de Letras tem de Letras o conceito não exclusivista de Letras literárias para as humanidades. E de humanidades temos tratado nos 110 anos de vida, disto fala melhor ainda a presença dos humanistas na Casa. Humanistas, sociólogos, juristas, economistas, políticos e tantos mais.
A Casa tem marcas de muitos dos seus membros nas mesas de trabalho da Unesco, em quadros permanentes ou em sessões mais ampliadas. No seminário que se realizou no Rio - Reinventando a Democracia - estivemos presentes por meio de Acadêmicos sábios, a sabedoria universal reconhecida de Eduardo Portella, Candido Mendes de Almeida, Sergio Paulo Rouanet.
Foi natural a alegria da ABL em co-patrocinar com a Unesco o referido seminário. Ademais, para aplaudir que estejam a cuidar de afirmações da Democracia. Somos uma Casa para o contraditório e seguimos conselho singular de Senghor no sentido de acelerar a convergência.
Gostamos da pluralidade.
A democracia somente prospera no pluralismo. A democracia é incompatível com a mentira. A democracia não tolera o histrionismo. A democracia tem horror a leviandades.
As eleições, a periodicidade dos mandatos, a garantia dos direitos políticos e sociais são, sem dúvida, características suas que são fundamentais. Nada, contudo, lhe é tão essencial quanto a ampla repartição do poder; do poder político, mas também do poder econômico, do poder social.
Não se diga da democracia que ela é uma ideologia. Muito menos elaborada construção teórica de um iluminado. As sociedades ideocráticas favorecem o autoritarismo e, muitas vezes, os regimes totalitários.
A democracia é, nas palavras de Giovanni Sartori, o produto de todo o desenvolvimento da civilização ocidental. Produto de idéias, mas também produto de experiências históricas, vivenciadas concretamente.
Não se trata apenas de um regime político: a democracia é uma forma de organização da sociedade, de convivência harmoniosa de múltiplos centros de poder e decisão.
Democracia é poder compartido, que não é sinônimo de equalitarismo mas que não subsiste nas grande iniqüidades.
Impor a igualdade equivale a privar a liberdade. Garantir a liberdade equivale a reconhecer a desigualdade.
A sabedoria política do lema da Revolução Francesa está em buscar diluir a contradição latente entre liberdade e igualdade pelo sentimento da fraternidade. Em conjugá-las pela solidariedade.
Governar democraticamente é exercer controles sociais fundados no consentimento. As eleições conferem ao governante legitimidade apenas formal: a legitimidade substantiva cimenta-se no dia-a-dia das decisões consentâneas com as aspirações e os interesses coletivos. Consagra-se na execução. É conquista de cada momento.
O controle do estado pela sociedade equivale a um julgamento político de seus dirigentes: de sua capacidade de captar os anseios sociais e, no dizer de Raymond Aron, de sua eficácia e habilidade em atendê-los, mediante as ações do governo.
Não basta, assim, aos que exercem as funções de estado, estabelecer objetivos governamentais desejados pela sociedade: é preciso que esses objetivos sejam alcançados.
O controle social do estado, próprio das democracias, é complexo e multiforme mecanismo de auto-regulação das ações políticas.
A dimensão do Estado moderno, suas variadas interfaces, a tendência, observada em todo o mundo, para o gigantismo, revelada, mais intensamente, na hipertrofia do Executivo, tornam os mecanismos de controle essenciais à gestão política democrática.
Esta reflexão básica que a Academia transmitiu aos membros do Seminário.
Diário de Pernambuco (PE) 16/11/2007