José Aparecido levou, no seu melhor coloquial, nossa mineiridade a uma dimensão cívica para ficar. Na inteireza do seu compromisso, foi ao desassombro. A coragem ganhava, teimosa, e sempre, a grande causa. O proverbial da velha cultura política brasileira vinha, pela conversa sem trégua, à transparência de um convencimento. As meras lealdades de grupo ou clã passavam a uma concertação, à visão coletiva do projeto nacional.
O que era o homem privado em José Aparecido? De que trataria, senão deste fascínio pelo maior em nossa coisa pública? A mineiridade é marca cultural nossa, de intimidade com o poder, vivido, ao mesmo tempo, como o contrário da cosanostra. Ouvir o Zé, e de forma tão indefectível, era saber o tom da conduta, que não vai à manipulação, mas à toma de partido sem ambigüidades, e à convocação entusiasmada. O versátil sempre se contrapõe à trampa, e o brilho do chiste aos maquiavelismos pobres. Mas a arena política nunca perde os seus contornos.
A mineiridade dominou o estilo da República Velha e o Brasil da política do “café com leite”, entre São Paulo e as Alterosas. Entramos, a seguir, nos códigos e asperezas gaúchas, em outra peleja de lealdades, cobranças e castigos. O pós Getulismo retornava ao estilo de Minas e São Paulo, mas dentro do desenvolvimento, da modernização da máquina pública e de um novo imaginário de lideranças. Coube a Juscelino esta desenvoltura única, empurrando o tradicional ao prospectivo e alinhando a mineiridade ao choque do novo, no país.
Aparecido, nos novos salões de Brasília, foi o contraponto imediato a Jânio Quadros, trabalhando a retomada paulista sem ruptura com este imaginário, ainda que dentro, radicalmente, de outro estilo imposto à ribalta federal. O secretário particular quebrava as arestas da Casa Civil, ou o clima de segredo de Estado, reimposto pelos bilhetinhos presidenciais, temperando a sideração do país pelo suspense permanente do gesto e a imprevisibilidade e o arroubo do novo homem no Planalto. Aparecido assegurava-lhe o “à vontade”, a contraconversa sobre os silêncios e as distâncias, nascidos deste toque imperioso da coisa pública no exercício, talvez, da maior libido político que já habitou o Palácio.
A vigília de Jânio pediu o bridão suave de Aparecido, para manter o ímpeto presidencial não obstante a drástica mudança de equipe e alteração da conjuntura internacional com o começo do Kennedysmo. O risco dos recomeços era enfrentado com o Plano de Emergência, após o Plano de Metas e a retomada imediata da iniciativa sobre um congresso que não refletia a maioria presidencial. A mineiridade tentou a trégua, diante da sofreguidão de confrontos trazidos ao seu real poder de fogo, de logo, pelo Lacerdismo.
Afinal, no “não evento” da renúncia vivemos um contrafactual único da nossa história, e um vácuo de poder que desmontou, no nascedouro, o mandato recém consagrado nas urnas. Mas ficava, órfã, uma escala nova de ambição política, ou de audácia inovadora, que Aparecido logrou herdar, na articulação da política externa com uma nova visão e presença internacional da nossa cultura.
Vivendo o autoritarismo militar, que o cassou o mineiro responderia pela criação do primeiro Ministério da Cultura, no governo Sarney, de par com a afirmação da comunidade internacional da lusofonia vencido já o Salazarismo em África. Do Ministério, à Embaixada em Portugal, avançava o grande projeto na seqüência da abertura africana de Jânio, do então criado Instituto de Estudos Afro-Asiáticos, e da criação múltipla de embaixadas nestas periferias, através de convocação de escritores e artistas, de Rubem Braga, a Raimundo Souza Dantas, a Cícero Dias. A cultura se transformava no trunfo internacional da presença brasileira.
Afastado no tucanato, Aparecido ficava como testemunha da escala do projeto concertado, que só permitiria a mineiridade, tanto não cedesse nunca em seu desassombro. Esta que sempre nos garantiu a sua jovialidade pertinaz, por um Brasil para si, feita do melhor barro de Conceição do Mato Dentro.
Jornal do Commercio (RJ) 26/10/2007