Devemos examinar a alternância entre adjetivos e advérbios. Na Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara, Editora Lucerna, 37a edição, há casos em que a língua permite usar ora o advérbio (invariável), ora o adjetivo (variável). Os exemplos são múltiplos e bastante esclarecedores. O primeiro exemplo pode ser encontrado em Camilo Castelo Branco, nesta série selecionada, em que privilegiamos autores portugueses. Não há uma razão especial para isso, apenas a comprovação de que, embora falemos o mesmo idioma, há formas diferentes de construir frases, mantida a sua natural compreensão:
“Vamos a falar sérios” ou “Vamos a falar sério”. O escritor Mário Barreto adotou essa liberdade ou dualidade, sem que nada lhe tenha sido cobrado.
Outro exemplo está em Augusto Rebelo da Silva:
“Os momentos custam caros” ou “Os momentos custam caro”. Podemos citar Alexandre Herculano: “Era esta a herança dos miseráveis, que ele sabia não escassearem na quase solitária e meia arruinada Cartéia.” Meia ou meio? Pelo ouvido, a segunda hipótese seria mais simpática, mas vale a escolha do autor, na construção literária que lhe é peculiar.
A regra é clara: a distinção entre adjetivos e advérbios só se dá nitidamente quando a palavra determinada está no feminino ou no plural, caso em que a flexão nos leva a melhor interpretar o termo como adjetivo. Diz Bechara: “Na língua padrão atual, a tendência é para, nesses casos, proceder dentro da estrita regra da gramática e usar tais termos sem flexão, adverbialmente.” E mais adiante: “Entram nessa possibilidade de flexão as construções de tanto mais, quanto menos, pouco mais, muito mais, em que o primeiro elemento pode concordar ou não com o substantivo.
O escritor Camilo Castelo Branco dispôs da seguinte maneira: “Com quando mais razão, muito mais honra.” Ou: “Com quanta mais razão, muita mais honra.”
Existe o caso da palavra alerta, rigorosamente um advérbio: “Estamos todos alerta.” Mas há uma tendência, não recomendada pela norma padrão, para utilizar essa palavra como adjetivo, conforme o fez Carlos de Laet:
“A moça aguardava com inteligência curta, os sentidos alertas.” Como se deve dizer, a respeito do adjetivo quite: “Estou quite” e “Estamos quites.”
Há enorme repercussão do que escreve a imprensa diária, capaz, num mesmo caderno, de colocar manchetes como: “Um mundo de recalls” e “A era do jihadismo light”. Já temos de lidar com as nossas palavras, o que dizer da inserção inglesa de forma desmesurada?
Ainda bem que, no final do mencionado caderno, surgiu a revelação de que “a linguagem de adultos e bebês é universal.” Afirmou estudo da Revista “Psychological Science”: “As pessoas são capazes de reconhecer significado numa língua que não falam. Em diferentes culturas, quando os adultos falam tendem a soar de forma bastante parecida.” O que dá razão a um amigo que, não falando nada de inglês, insiste em utilizar o português quando viaja aos Estados Unidos: “É só falar devagar que eles entendem tudo...” Naturalmente, com a ajuda gestual.