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Japão/Brasil

 

Eles vinham de longe. Do oriente distante. Para ajudar um país jovem a seguir plantando café, sua fonte de riqueza. Ao fundo, um acordo. Bom para ambos: o Brasil carecia de mão-de-obra, o Japão vivia grave crise demográfica. No acordo, de um lado estava Tibiriçá, presidente da província de São Paulo, do outro, Mizuno, tido como pai da imigração japonesa.


No mar, o navio carregado dos medos e das expectativas de 165 famílias pioneiras. O destino: o porto de Santos, os cafezais e o futuro. O Kasato Maru, a nave da esperança, lança âncora nas águas novas e tranqüilas. Era junho. O dia 18, o ano 1908. Estamos próximos da data centenária, que coincide com os tempos comemorativos dos cem anos da morte de Machado de Assis.


Era o começo de uma presença que se ampliaria ao longo dos anos e que plantaria no nosso país muito mais que sementes e mudas de café. Plantaria matizes e matrizes relevantes na terra pródiga da cultura brasileira em processo.


E vieram outros e outros mais. Alimentados de sonho, 3434 famílias, 14483 pessoas, nos primeiros sete anos que se seguiram. E logo, com a explosão da Primeira Guerra Mundial, a grande presença que trará, de 1917 a 1940, cerca de 164 mil filhos do Sol Nascente às terras brasileiras, em especial sediados em São Paulo. Na motivação, alentadora, pois que eram pobres, na sua maioria, o sonho da riqueza e da felicidade. Logo fraturado: árduo se apresentava o percurso, que envolveu ainda sofrências,  preconceitos e obstáculos em meio ao verde cafeeiro, no calor das plantações de borracha da Amazônia, na ardência da pimenta paraense.


Nuclear, a presença na comunidade bandeirante. Brasil, brasis. E se recordo o passado é para situá-lo como alicerce da construção.


O  imigrante japonês, como a gente do meu Nordeste, é antes de tudo forte. E se de início, buscou proteger-se no abrigo de um isolamento comunitário, logo cedeu ao desabusado jeito brasileiro de ser. Abrasileirou-se. Sem perda das raízes, como atesta, entre outros, o  bairro paulista da Liberdade, com essa designação tão brasileiramente significativa, desaguando em traços culturais marcadamente miscigenados.


As tentativas iniciais de isolamento, mobilizadas sobretudo pela intenção de retornar à terra natal, acabaram por não resistir à vocação mestiça do Brasil. E multiplicaram-se os casamentos interétnicos. E veio o desejo dos descendentes de assumirem a cidadania brasileira. E veio, avassaladora, até por absolutamente necessária a utilização da língua portuguesa do Brasil. A tal ponto, que, na atualidade, apenas 10% dos integrantes da segunda e da terceira geração de  imigrantes japoneses sabe falar a língua de seus pais. E mais: perto de 30% nasceram de casamentos de japoneses e não-japoneses, brasileiros, italianos, portugueses e espanhóis. Não quero desconsiderar o fato de que nas cidades do norte do Paraná não é incomum os letreiros comerciais bilíngües. E hoje, integram a comunidade brasileira um e meio milhões de japoneses e descendentes. É obvio que oitenta por cento se encontram em terras bandeirantes, a maioria na capital. Está lá, no senso de 1988. É um dado interessante: noventa por cento da presença japonesa entre nós vive em áreas urbanas.


No processo de presença comunitária, é marcante a presença da cultura japonesa incorporada.


Aprendemos a degustar comidinhas de raro prazer e delicadeza, que se acrescentaram à nossa culinária aprendemos a comer peixe cru. E com o uso aprimorado do hashi, aqueles dois pauzinhos que manejamos, alguns de nós sabe Deus como. Além de ampliarem as dimensões de inúmeros produtos agrícolas, que cresceram em volume e substância por força dos seus saberes.  São afinal, mais de trinta incursões nesses espaços, que envolvem além do café, algodão, arroz, verduras, legumes, aves, frutas e especiarias. Tudo ficou maior, com os japoneses.


Eles nos ensinaram técnicas milenares de aliviar nossos sofrimentos físicos, com massagens especiais, com as agulhas de acupuntura. E mesmo nossas agruras espirituais encontram guarida e suavização em procedimentos religiosos que trouxeram e ensinaram muitos a cultuar. Estou pensando na igreja messiânica, Seicho-no-ie e na Perfect Liberty, só para citar três exemplos. Agrada-nos a beleza dos arranjos florais, é flagrante a influência da pintura nipônica em vários de nossos artistas plásticos. Não esquecendo o quanto se enlaçou a nipo-brasilidade na arquitetura. Livros, jornais e revistas nos aproximam de aspectos da cultura do Japão. Entre os jovens, ao lado da tradicional presença de desenhos animados vem se destacando o cultivo acentuado dos quadrinhos japoneses contemporâneos, mangas, e há a adesão ao “fashion” dos penteados com escova japonesa. Acrescente-se o convívio com a gente japonesa que nos ensina, a cada dia, a cultivar paciência, tenacidade, quase o estoicismo.


Pelos céus, sem medo e com muita expectativa, os rumos do desenvolvimento e do progresso, por outro lado, vem, a algum tempo, invertendo o fluxo do intercâmbio. Os dekasseguis constituem a terceira maior comunidade de imigrante no Japão. Só perde para a de chineses e coreanos.  Com eles, o futebol chegou ao Japão com gosto e se fez gostoso para os nativos. Futebol atente-se, de ginga brasileira.


E tudo começou com a esperança. Daquelas 165 famílias pioneiras embarcadas no Kasato Maru, no porto de Kobe, em 28 de abril de 1908, cujos pés pisaram as terras brasileiras, a bagagem da alma carregada de cultura antiga e de experiência. Plantaram, vivenciaram, colheram. Ao longo de 100 anos, agora se completando. E integraram com os seus descendentes a nossa gente do Brasil. É nissei no comando das Forças Armadas, é nissei com índice de excelência na medicina – nomeadamente nos planos da Cardiologia e da Oftalmologia. É nissei no Parlamento. Também relevante é ver crianças dos grotões agrestinos do Nordeste a tocar violino pelo método Suzuki, em belos momentos de interação do instrumento refinado com a rabeca rural, em arranjos musicais encantadores por  conta, exemplifico, da competência do maestro Cussy de Almeida e sua música armorial. E o que dizer do cinema brasileiro com direção de nisseis à Tisuka?


Temos, inclusive, na Academia Brasileira, um Sócio-Correspondente japonês, o escritor Daisaku Ikeda, ocupante da Cadeira 14. Os Acadêmicos tem exercitado técnicas da poética japonesa e são muitos os ensaios de nossos  confrades sobre temas ligados àquele país. Por exemplo:  Oliveira Lima,  Barbosa Lima Sobrinho, Marcos Almir Madeira, Hélio Jaguaribe, Arnaldo Niskier, Herberto Sales, Cláudio de Souza, Celso Furtado, Aloísio de Azevedo, Luis Guimarães Júnior e Guilherme de Almeida.


Refiro-me ainda ao popular sistema de ensino Kumon, à tecnologia da nossa televisão, como criações do gênio japonês por nós absorvido.


A Academia Brasileira de Letras congratulo-se com a comunidade japonesa do Brasil e associou-se prazerosa  a estas comemorações do centenário da chegada da gente do Japão às nossas terras, em sessão especial, recentemente.


Jornal do Commercio (RJ) 28/9/2007