RIO DE JANEIRO - O assunto pode parecer de interesse exclusivo da cidade do Rio de Janeiro e da turba multa que faz e consome cinema. Mas tem alguma coisa a ver não só com a realidade psicológica e social do país inteiro, mas com a própria condição humana, que não é lá essas coisas em matéria de coerência e comportamento moral diante da sociedade, tal como ela sempre se apresentou.
Está em discussão um filme sobre o tipo de repressão que a polícia carioca vem praticando contra bandidos, notadamente contra os traficantes que criaram e mantêm o crime organizado.
Não vi nem verei o filme, mas o importante, segundo leio na imprensa, não é o que se passa na tela, mas na platéia. As cenas de tortura são aplaudidas, a violência contra a violência provoca orgasmos. A luta do bem contra o mal é mais do que implícita, mas didática: se, na vida real, fosse sempre assim, com a polícia torturando e matando os bandidos, a segurança voltaria à cidade sitiada pelo crime.
O colunista Arnaldo Bloch, de "O Globo", classificou o filme como fascista, criando uma discussão que se ampliou em outros arraiais da mídia e nos círculos especializados em cinema. Foi feita uma pressão colossal para enviar "Tropa de Elite" para representar o Brasil na premiação do Oscar em 2008. A comissão encarregada da escolha indicou outro produto nacional, considerado mais palatável ao gosto daqueles que julgarão o melhor filme estrangeiro de 2007.
Em si, a questão é intrinsecamente cinematográfica, mas a reação das platéias que estão assistindo ao filme, inclusive em suas cópias pirateadas, é um índice da morbidez social provocada pela morbidez do crime.
Soluções na base do olho por olho são tradicionalmente adotadas por regimes fascistas.
Folha de S. Paulo (SP) 30/9/2007