O governador Vilela determinou a interrupção da Parada do dia 7 de setembro em Maceió; diante da invasão da avenida pelos funcionários públicos. Não tínhamos até hoje a Chegada do protesto à afronta limite aos símbolos nacionais. O gesto de confronto, de tão ousado, ficou ainda no limbo da sua verdadeira intenção. Vilela se teria precipitado no desfecho. Tratava-se, tão-só, de pedido de interlocução ao chefe do governo, prevendo, inclusive, a associação dos manifestantes ao desfile. A ação afirmativa entraria, por aí mesmo, numa zona gris de perplexidades, que põe em causa o avanço democrático do país. Vai-se logo às últimas conseqüências nestes dias, tal como, muitas vezes, é errática a proposta mobilizadora.
Vivemos hoje um pano de fundo de desarme coletivo, em que o avanço da redistribuição de renda vem de par com o acesso aos serviços sociais, dentro do absoluto conforto para qualquer protesto. As sucessivas invasões de universidades e suas reitorias, em São Paulo ou em Porto Alegre, requentavam demandas de assentamentos de sem-terras, essas discussões de autonomia universitária e velhos pleitos de cobrança de suas dotações orçamentárias. A dramatização não vinha do calor dos pedidos, mas, justamente, da reanimação destas cobranças, com as ocupações por prazo indefinido.
O que se registrou, sim, e ineditamente, foi o afrouxamento do cabo-de-guerra, pelo qual, na ótica clássica do protesto, se deveria manifestar um confronto já descido aos movimentos sociais, e à dita perturbação da ordem. Deparamos com rebeldias de pouca causa, confrontando uma nova consciência pública, fiada no desmanche par si mesmo do protesto. O governo de São Paulo tolerou ao máximo as invasões de reitorias, avaliando a gravidade de uma remoção policial dos ocupantes do "espaço sagrado" das Arcadas da Faculdade de Direito. Um mesmo capital simbólico somou-se, na parada de Alagoas, forçando preventivamente o governador a evitar o conftito.
Tolerâncias e refreias atuariam num espaço já gasto para esse tipo de manifestação. E é o que suscita, neste novo marcador da democracia profunda, o futuro da ação afirmativa, diante do avanço democrático já percebido pela população. O protesto funciona em pontos focais, ainda, de injustiça, num governo de abertura, e seu sucesso depende sempre da certeza do respalda coletivo. O impacto das marchas ou das vaias não vai longe sem alvo claro e pode morrer pela sua demasia. É o contexto hoje, em que a ação afirmativa entra numa coreografia crescentemente inofensiva tanto avançamos no desfrute da democracia profunda. Ou melhor, de uma consciência de mudança, que não. precisa mais ir à rua para avançar. Ou mostra que a ida à praça é hoje um privilégio da reação - como no malogrado "cansei" - de civismo de butique do status quo.
O aprofundamento do nosso Estado de Direito bane, de vez, a idéia de que sofremos um "mal-estar" generalizado, que a reação pretende destilar, em nome do perempto Brasil dos "mais iguais". O país de Lula vai reavaliar o protesto antigo, diante do que seja a reivindicação nova. E que, sobretudo, vença o que lhe dite a opinião pública, das impaciências sob medida, e dos escândalos com hora marcada.
Jornal do Commercio (RJ) 14/9/2007