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A construção do Brasil

 

A DATA DE hoje, Dia da Independência, o Sete de Setembro, é o chamado tema impositivo. Dizem ser uma tendência mundial o lento e gradual -como seria a fórmula Geisel para a democracia- declínio do sentimento de pátria, usurpado pela outra inexorável ascensão do universalismo, por meio da globalização cada dia mais presente.


A verdade é que o entusiasmo e o orgulho de pátria estão marchando para ser mais uma exaltação de torcidas esportivas do que a transcendência de um orgulho de nacionalidade, um dever de nascimento, uma identidade de alma e corpo. Essa transformação levou o patriotismo a refugiar-se nos escalões militares e nos velhos saudosistas da minha geração.


Virou moda falar mal do país, realçar suas mazelas, fazer carreirismo na denúncia de suas injustiças. Desapareceram os movimentos cívicos. Baniram-se do cotidiano e das rotinas das escolas os símbolos, bandeiras e hinos. O Brasil perdeu suas utopias e não está construindo novas. As ideologias da internacionalização se encarregaram de acabar com elas, e as comunicações fizeram crescer a percepção de um mundo só, cultivador não do "mal du siècle" (19), mas de um desprezo a tudo que cheira a patriotismo, palavra tornada quase anacrônica. Mas temos tanto de que nos orgulhar do nosso país.


O Brasil é uma construção de um milagre civil. Ao contrário da América espanhola, feita em batalhas e guerras, empunhamos as armas da criação de instituições, amarrando os cavalos na porta da cadeia velha, onde os nossos "founding fathers" discutiam três poderes, liberdade, habeas corpus, imprensa, direitos civis, belos sonhos num reinado de poder absoluto. À frente, José Bonifácio, que passara 36 anos na Europa -não veio com dom João- e que aqui chegou em 1819 com as idéias do Iluminismo, organizando o novo país, com identidade própria, criado na miscigenação.


A independência ocorreu num contexto de descolonização da América, a começar pela Guerra de Independência dos EUA.


O Sete de Setembro não é o Grito do Ipiranga nem dom Pedro 1º. É a grandeza do processo da construção do Brasil, obra civil e política, garantida a unidade pela espada dos militares. Somos hoje um dos maiores países do mundo, sem problemas raciais, étnicos, de religião, de fronteira. Como toda construção, resta-nos resolver os difíceis problemas da igualdade, quer no plano dos indivíduos quer no plano regional.


Na independência, faltou a coragem de abolir a escravidão e promover a integração dos índios. Essa lacuna tornou-se em mancha inapagável que abafou o Grito do Ipiranga.


Folha de S. Paulo (SP) 7/9/2007