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Opinião: Paciência para o terceiro mandato

 

Num primeiro pronunciamento amplo antes da convenção do PT, Lula não deixa dúvidas quanto à estratégia pensada para a legenda e seu próprio futuro. O ponto de partida é o fenômeno inédito da permanência da popularidade presidencial, não obstante a quebra do partido, o indiciamento do mensalão e o massacre mediático cíclico do Planalto. Na área externa não se poupa o confronto com Chávez, o rival a longo prazo no continente. A permanência indefinida no poder - frisa Lula - leva a constituição de "ditadorzinhos", num claro recado a Caracas.


Só deparamos, na banda andina, a passagem do sucesso eleitoral repetido ao mais ostensivo continuísmo político. O precedente racha também a Bolívia, e começa a atingir o Equador, na criação dos facilitários de maiorias nos Congressos para desimpedir, sem volta, a ação dos Executivos.


Em contraste aí está - e no impacto da mais importante decisão do Supremo - a convicção da independência dos poderes e do aperfeiçoamento de nosso Estado de Direito. A liderança brasileira no avanço da democracia profunda hoje salta a América Latina e se credencia hoje no respeito internacional.


Nossa esquerda mais exigente reconhece, por outro lado, a falta de compreensão desse fenômeno Lula e como resiste à dita "opinião pública", ou aos critérios com que, classicamente, se viu o sucesso de um governo pelos olhos de uma classe média. O Brasil de agora é de uma felicidade muda, que não precisa da obra bombástica nem do aparato das manchetes, no que experimenta com o acesso aos serviços de educação ou saúde, o começo de partilha de renda, e a surpresa de uma folga no orçamento dos menos favorecidos.


Os dados oficiais só mostram que o aumento objetivo do salário mínimo no último biênio respondeu por este avanço mais que o Bolsa Família. De toda forma, foi este ganho dito "assistencial" que permitiu ao Brasil de fora uma efetiva percepção de melhoria social, independentemente de uma integração na economia de mercado. O abate da marginalidade não é sinônimo de acesso ao emprego para os benefícios imediatos da saúde e da educação. O apoio à lavoura familiar muda o quadro da iniciativa econômica do país de Lula. É responsável por este outro fenômeno silencioso da nossa mudança, que é o freio do fluxo desordenado à subúrbia brasileira, e aos focos clássicos da nossa miséria, em torno das megalópoles nacionais.


O arranco do segundo governo Lula começa a se beneficiar da consolidação, a prazo médio e longo, destas políticas de acesso social direto, que torna o futuro do regime na percepção popular, tão distinta dos cansaços, ou das cassandras do desengano do velho e coriáceo status quo. O presidente não deixa dúvidas sobre o quanto as regras de jogo da sua sucessão são as que estão aí, e de como o situacionismo dependerá desta incessante renegociação de maiorias, perdido o cacife original do partido diferente.


O desfecho do mensalão mostra como a democracia profunda, hoje, no Planalto, derrubou de vez o álibi do moralismo de sempre, para manter o Brasil de tão poucos. O novo, sem trombetas nem manchetes, evidencia também agora, que resiste aos anticlímax e às neuroses da cobrança, de que participam nos seus amuos de empréstimos uma classe média a miar apenas o país instalado. Não olha para baixo, a ver o Brasil saído do poço sem fundo da marginalidade.


Não temos paralelo, nas ditas periferias do Terceiro Mundo e de sintonia igual entre desenvolvimento econômico e político. O país vence as tentações chavistas, ao mostrar que uma opção de mudança não fere a democracia profunda. Nem precisa de homens providenciais, ou de carismas de opereta. Nem de entorse à Constituição para um terceiro mandato. O deslanche do PAC agora planta o canteiro de obras, para a consciência do Brasil emergente, a ficar. E o legado de um tempo de Juscelino marca um próximo mandato, à espera, com a paciência necessária, do que faça, após, o povo de Lula - como o de Getúlio, meio século, na sua volta retumbante ao Catete.


Jornal do Brasil (RJ) 5/9/2007