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Opinião: A violência em berço esplêndido

 

No estupor brasileiro desses dias, no entra-e-sai do escândalo da hora, e da supressão instantânea da memória, passamos, numa demissão moral irreversível, da indignação ao cinismo. Não temos precedentes dessa cumulação de choques, onde à violência se soma a corrupção, e o adubo da impunidade cria este mal-estar conformado com o que não acontece no aparelho da Justiça. O bom da crise é que, agora, pela primeira vez na nossa história, a polícia investiga e vai a fundo, e desarma uma mecânica encardida de conivência com o sistema. Nunca foi tanta a corrupção, não. Nunca se soube tanto sobre a dita, por uma vez perturbada a temperatura ambiente da conivência com a cosanostra. São novos olhos de ver, os que permitiram o governo Lula, a cumulação, às catadupas, do que estão revelando os grampos da polícia do Dr. Lacerda.


O Brasil destes dias é o da nação que não sabe o tamanho do estrondo que se segue à fagulha, escancaradas as portas palacianas. Não há pequena ou grande monta nos escândalos, mas superposição copiosa. À avalanche das notas pecuárias do Dr. Renan seguem-se as falas entrecortadas no celular do ex-senador Roriz. A Comissão de Ética se imobiliza, a não saber de onde virá o próximo disparo sobre os seus membros, e quem é refém de quem, no boca-a-boca brotado no carpete guloso do Senado.


Neste fogo cruzado de espantos surge, já, com verdadeiro ineditismo, um primeiro desabafo popular. Irrompe da ira contra os biltres presos no espancamento da Barra. À espera da punição dos potentados de Brasília, aí está a torrente da revolta da opinião pública, das "cartas aos leitores", em uníssono, de apoio a cadeia para os algozes de Sirlei, a doméstica vítima dos facínoras, filhos de papai, na afluência carioca.


Na onda de uma violência, crescida como uma segunda natureza das megalópoles brasileiras, a forra veio, e contundente, ao intolerável do banditismo de mauricinhos espancadores, cobertos pela impunidade, no luxo dos condomínios da Barra. Violência após boate, e cheiro, no prazer de bater desta sociedade ao mesmo tempo arrogante, e margi nal, onde os garotos novos-ricos exibem a bravata podre de agredir, em quadrilha, as mulheres desacompanhadas na madrugada.


O apoio à cadeia sumária dos "meninos", universitários, e de emprego farto, crava esta consciência de uma justiça, irrompida da própria sociedade civil, pelo abate, de vez, dos privilégios automáticos das famílias "bem". O caso Sirlei veio à revanche, na hora crítica de reconhecimento do pântano da impunidade senatorial, enquanto a tarefa da polícia enreda-se no charco dos travos diante das excelências da República.


O senhor Ludovico, ao justificar o filho desabrido, entra, de toda forma, na crônica da nova indignação nacional, para ficar. É o pai com solidariedade zero dos outros pais. O que viu domesticamente como uma "traquinada" de quase crianças, passou em julgado como uma prepotência patética, diante da cidadania nacional.


Qual é a próxima etapa da pororoca da carta aos leitores contra a façanha da Barra? Só surpreende pela determinação solidária de um taxista? Acabará se contaminando da mesma apatia nacional, fechadas à força as cortinas da Comissão de Ética, em perpétua saineta? Passará, da reação mediática, à das ruas? Teriam desaparecido as ações afirmativas, tanto a cólera eletrônica, na internet, tomou o seu lugar. Mobiliza-se a opinião pública à distância, ou precisa do atravancamento das praças, para tornar realidade o que pedem as denúncias? Ou, para nossa maior inquietação, adormecerão de novo agora, na tepidez dos climas podres, para deparar amanhã uma explosão imprevisível, que venceu, de vez, a acomodação do Brasil do "tudo bem" e de seu velho berço esplêndido?


Jornal do Brasil (RJ) 11/7/2007