Tenho tido a sorte, o apoio e a compreensão da inteligência de alguns brasis por dar à gestão que me cabe na presidência da Academia Brasileira o caráter de uma Academia para as humanidades. Nada mais eficaz, a fim de se cumprir o estabelecido no seu Estatuto como compromisso de defesa da língua e da literatura.
Não há como ficar só na língua e nas letras literárias e dar eficácia e eficiência ao seu desempenho.
Temos realizado ciclos policêntricos de conferências. Falamos de muita coisa: moda, MPB, arquitetura, direito autoral, culinária, cinema, internet e por aí vai.
Em março, falamos de cidades e favelização. Urbanistas, sociólogos, romancistas, lideranças de comunidades de periferia, todos juntos aos acadêmicos passando em revista o tema e os seus consectários.
Saiu de tudo. Desde o “Chão de Estrelas”, de Orestes Barbosa, ao A Cidade e as Serras, de Eça, do padre Lebreta a Touraine, de Milton Santos a Castells, de Lúcio e Niemeyer a Pereira Passos e Pedro Ernesto, das diversas teorias da cidade a Bárbara Freitag, de Gilberto Freyre a Gilberto Velho.
Uma riqueza de análises, uma instigante provocação no se comprar Olinda a Brasília, Veneza ao Rio, Calcutá a Zurique. E sobretudo a se dizer sobre as gentes que vivem nas cidades, seus infortúnios, suas frustações, sua luta contra a incivilidade.
Falamos do bilhão de pessoas que vivem nas cidades, parte dos seis e meio bilhões de habitantes do nosso planeta. E recordamos Fernando de Noronha, como Ilha da Utopia, assim chamada por Rafael, marinheiro de Vespúcio, conforme avalia Afonso Arinos. E comparamo-la com a cidade desenvolvida por Caco Barcelos, em Abusado.
No meio daquilo tudo, duas recordações me fizeram base para encerrar com breve fala de presidente a reunião apaixonante: a primeira, Borges a dizer que a cidade é um tigre. Depois, confrontar as Cidades-gasolina, da tese de Rachel Caldas Lins e Gilberto Osório de Andrade, com as cidades-petróleo, dos dias de hoje. Uma a juntar gente, outra a empilhar gente. Astana e suas torres imensas no Casaquistão; Dubai, onde se concentram 30% das megas gruas existentes no mundo; Kartoun entre o Nilo azul e o Nilo branco, na construção do maior complexo administrativo na África; Putin a erguer em São Petersburgo uma torre para Gazprom deixando bem pequeno o convento de Smolny, no outro lado do Neva.
Tudo tão grande que Manhattan fica pequena. Tudo tão desumano, tão aço e vidro, de alumínio e plástico, que nelas cabe tudo, só não cabe o homem, condenado às periferias de miséria para certos governos viverem matando-lhe o corpo e roubando-o na alma. E haja girândola na publicidade do faz-de-conta. Haja tempora, haja mores.
Diário de Pernambuco (PE) 15/4/2007