As perplexidades da eleição presidencial francesa mostram o desgaste histórico do que seja a esquerda, hoje, no mundo. Sobretudo de um Partido Socialista, para se tornar dono nominal desta opção política, como o maior denominador ainda desta tendência de voto. Não se trata de mostrar o fracionamento quase bacteriano das alas e contra-alas do velho radicalismo, no troca-troca das siglas comunistas mais e mais veneráveis na sua reivindicação fantasma. Nem também de atentar à bandeira à vista, como a da nova utopia, ou seja, a da pregação ambiental que troca os conflitos que sangram com a impaciência pelo degelo dos pólos.
Aí está a fissura continuada dos verdes na Europa, num denuncismo tão vago quanto cômodo, no que seja passar às vias, de fato, pela luta pelo clima ou a perda do habitat das borboletas na Amazônia.
Ségolène compete hoje com Sarkozy, sobre o que seja o afino centrista, deixado ao quase inaudível diapasão de uma direita ou esquerda, reduzidas a uma diferença infinitesimal, das maiorias para o novo mandato. Milimétrica é também hoje essa distância entre a esquerda e a direita alemã ou italiana, evidenciando o quanto a Europa definiu já a mudança possível e o que são os jogos feitos da sua convivência com o poder hegemônico.
O socialismo sai das ideologias econômicas, ou das mudanças dramáticas da ação no Estado para envolver-se com os problemas residuais da imigração ou dos estatutos da disciplina da família, diante de conflitos remanescentes entre Igreja e Estado em sua legislação nos países latinos. Claro, mas até onde é a própria noção da esquerda como mudança possível no mundo globalizado que já escapa aos nominalismos fáceis de uma idéia socialista, tal como a da caricatura venezuelana devolvida à facécia antiimperialista, junto ao populismo vetusto do Estado-patrão, forrado do dinheiro da exportação de petróleo.
Uma esquerda para além dos partidos e suas ideologias repta hoje o governo Lula nascida do Brasil de fundo que o elegeu. Seu sucesso depende cada vez mais de uma intuição que é, ao mesmo tempo, o seu risco solitário. O tino das políticas de coalizão permitiram-lhe avançar sobre a obsolescência do próprio PT, ao mesmo tempo que criou a armadilha da mudança para as siglas que aprisionou sem volta ao sucesso do PAC. Sua prova decisiva residirá da superação das clientelas tradicionais, que forrará, ao lado do PT, uma vitória do peemedebista, para além do seu coronelismo remanescente.
Esta consciência sem quadros empurra a nossa esquerda hoje e deixa à busca do voto como alternativa e opção. Lula o sabe, por um carisma deixado à primeira intuição. E é pelas desordens aparentes, ou pelas demoras, que lhe assacam as oposições, que brota o novo hoje, entre nós, e se troca o dito país bem pela nação menos injusta.
Jornal do Brasil (RJ) 18/4/2007