Nunca será demasiado insistir em que a democracia somente prospera no pluralismo. Eleição, periodicidade de mandatos, mediação e liberdade de imprensa, independência dos poderes, garantia dos direitos políticos e sociais são algumas das suas características fundamentais. Claros deveres de cidadania também têm sua essencialidade. Não só direitos, mas direitos e deveres. Nada mais forte, como expressão democrática, que a repartição do poder. Poder político, social, econômico.
Não se diga da democracia que é uma ideologia. Sociedades ideocráticas favorecem autoritarismos. Sartori lembra que a democracia é produto de idéias mas também produto de experiências históricas. Democracia é poder compartido, que não é sinônimo de equalitarismo.
Montesquieu ensinou: “A democracia deve evitar dois excessos: o espírito de desigualdade, que conduz ao governo de um só; e o espírito de igualdade extrema que conduz ao despotismo de um só.”
E Tocqueville complementa: “O céu não está mais distante da Terra do que o espírito de liberdade do espírito de igualdade.”
O lema da Revolução Francesa foi sábio politicamente diluindo a contradição latente entre liberdade e igualdade pelo sentimento da fraternidade solidária.
No meu modo muito pessoal de ver acredito que é assim o entendimento de democracia a prevalecer no Tribunal de Contas da União.
Daí, compreendo que governo democrático é o que exerce controle social fundado no consentimento. A eleição é a legitimidade formal, já a legitimidade substantiva alcança-se no dia-a-dia das decisões consentâneas com as aspirações e os interesses coletivos.
As funções de Estado têm que respeitar objetivos desejados pela sociedade, alcançando-os. Aí está a legitimidade da ação política.
A legitimidade formal das ações de governo é sua conformidade à lei. A legitimidade substantiva mede-se na escala de resultados. É muito instigante, a este propósito, acompanhar as presentes reflexões de Giddens sobre a chamada Terceira Via, sobretudo num país em que há gente, e gente que se tornou importante, ainda a pensar que só existe a via única...
Para tudo isto existe o controle. O controle externo – a finalidade do TCU – tem no controle social o seu balizador. Este controle é poliárquico e sobre nós também se exerce.
Controla-se mais que os meios. O que se aprecia, sob o pálio dos vínculos do TCU com o Congresso, é a execução das políticas governamentais aprovadas por esse mesmo Legislativo. Deve-se saber da legalidade, eficácia, efetividade.
O TCU, confio eu, começa a ser dominado por um ideal da teoria da qualidade. Em outras palavras: Para a Corte de Contas a administração pública, obrigatoriamente agindo nos limites rigorosos das leis, tem que caprichar na qualidade. De outra parte, o TCU não é um Torquemada de látego à mão. Exponencial é o seu papel pedagógico de orientar quem faz a gestão do serviço público. Colaborar, não cair na compulsão punitiva como objetivo.
A Constituição é clara e fiel ao ideário de Rui Barbosa ao definir o TCU como integrante do Poder Legislativo. Nesse sentido, seguiu a doutrina de Pontes de Miranda. Além disso, conferiu competências que, se honrosas, são muito exigentes.
No TCU julga-se sobretudo homens públicos. E aí está uma das exigências mais relevantes. Os ministros ficam sujeitos a um mundo de observações desenvolvidas sob o fragor de certas emoções. Às vezes movidos por ideários político-partidários. Acontece que para exato cumprimento dos deveres, tem-se consciência de que o brasileiro cansou de ser pobre num país rico.
O colegiado, ademais do respeito pelo Ministério Público e pela contribuição valiosa de um quadro técnico honrado e qualificado, gosta de ser composto de diferentes. Homens diferentes que cultivam e desdobram a complementaridade da diferença: Os ministros crescem exatamente pela diferença, com a capacidade de enxergar no outro, de procurar o outro, de ser sensível aos mínimos movimentos do outro.
São homens públicos em busca constante da qualidade do nosso trabalho, que confere à ação um conteúdo patriótico.
Diário de Pernambuco (PE), 1º/4/2007