O Brasil está ganhando a batalha do ensino, mas, lamentavelmente, estamos perdendo a guerra pela educação. No primeiro caso, avanços expressivos em todos os níveis e modalidades foram conquistados nos últimos 10 anos. Nada menos de 99% das crianças têm acesso ao ensino fundamental e 94% delas estão matriculadas na primeira série, segundo o IBGE – Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD), de 2005. Muitos dos êxitos se devem à criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), e é de esperar que, mais do que uma continuidade do esforço empreendido nos dois governos do presidente Fernando Henrique Cardoso, a promulgação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) renda frutos para eliminar carências ainda persistentes, como as acentuadas taxas de evasão e repetência.
Com relação ao terceiro grau, vale lembrar que, em 1995, o número de matrículas no ensino era de 1,7 milhão e, em oito anos, mais do que dobrou, atingindo 3,8 milhões. O aumento se deveu, em grande parte, à criação de instituições universitárias privadas e à estagnação das vagas de natureza pública, segundo revelou o censo da educação superior de 2003 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Atualmente, apenas uma das seis maiores universidades brasileiras é pública. O resultado é que a ociosidade nos estabelecimentos particulares de ensino superior, de acordo com o mesmo censo, atingiu o preocupante recorde de 42%.
Se o ensino vai bem, embora pudesse ir melhor, por que a educação vai mal? O ensino é a parte material da cultura e, entre nós, seu conceito sempre esteve associado às necessidades do mercado de trabalho, voltado para as atividades produtivas. Daí a ênfase profissionalizante. Já a educação abrange, além dos aspectos materiais, os imateriais que, transcendendo o ensino, referem-se às atividades culturais, tanto a científica quanto a artística, conforme lição de Fernando de Azevedo, em A cultura brasileira.
Entre os aspectos imateriais, estão a cultura cívica, que caracteriza nossa civilização e nossa capacidade de viver em sociedade, e a cultura política, parte dela inseparável. A cultura artística, que depende não só do talento e da criatividade individuais, mas também da imaginação e da inventividade, é um patrimônio em permanente evolução, de que são exemplos surtos inovadores como a bossa nova e o cinema novo, além das incontáveis contribuições nas artes plásticas, enriquecidas pela obra admirável de nossa enorme diversidade étnica e cultural.
O que nos falta em matéria de contribuição indispensável e insubstituível, tanto em relação à educação e ao ensino quanto no que respeita à cultura, é um dos aspectos materiais de que também dependem essas manifestações — o livro, um dos mais importantes paradigmas de todas as civilizações e a mais significativa de todas as criações humanas, depois da invenção da escrita.
Há um pequeno e pouco divulgado texto de Denis Diderot, um dos pais da Enciclopédia francesa, publicada entre 1752 e 1772, que lembra os percalços e dificuldades por que passou a indústria editorial na sua longa e desafiadora tarefa de assegurar a liberdade de manifestação, de difundir o conhecimento e preservar o imenso patrimônio das conquistas humanas no campo intelectual.
No Brasil, esse tema continua a ser, ao mesmo tempo, controvertido, polêmico e inquietante. Nossos avanços nessa área têm sido lentos e muitas vezes tortuosos. Continuamos vítimas de uma dependência perversa, cuja discussão rendeu poucos resultados: a de que os nossos livros são caros porque são raros, e são raros porque são caros.
Como vencer esse círculo vicioso continua a ser nosso maior desafio. Suas implicações extravasam a cadeia que envolve a indústria editorial — autores, editores, distribuidores, livreiros e consumidores — e alcançam algo mais amplo que o destino da imprensa escrita, que, sem liberdade e sob ameaças, não viceja nem sobrevive em nenhuma parte do mundo. Estamos vivendo no limiar de nova era, a da informação, que terá de conviver com a necessidade da disseminação do conhecimento, com o direito de acesso e com os avanços científicos e tecnológicos, permitindo, antes de mais nada, que os livros não desapareçam.
Correio Braziliense (DF) 5/2/2007