RIO DE JANEIRO - O Exército chileno vai expulsar de seus quadros o neto de Augusto Pinochet, que fez um discurso de despedida do avô considerado ofensivo ou restritivo aos militares que durante tantos anos garantiram a ditadura naquele país.
Desde que tomou o poder logo após a morte de Allende, Pinochet contou com o apoio irrestrito de seus companheiros de farda, governou com mão forte e não foi contestado pelos militares. Ele próprio decidiu sair da Presidência, mantendo, porém, uma faixa considerável de poder, chefiando o Estado-Maior das Forças Armadas e se autonomeando senador vitalício.
Não foi derrubado por um golpe de Estado -os militares chilenos o aceitaram até o último momento. Somente agora, com o revertério constitucional, manifesta seus pruridos democráticos. O povo chileno, embora dividido a respeito de Pinochet, elegeu para presidente da República uma mulher que foi torturada e teve o pai assassinado durante os anos de chumbo daquele país.
Não li e dificilmente lerei o discurso de despedida do neto do ex-ditador. Acredito que ele falou expressando os sentimentos da família e de parte de alguns militares que intimamente consideram Pinochet um "benefactor" da nação.
As ditaduras no Chile e no Brasil não caíram por contestações armadas, e sim pelo desgaste interno e pela execração popular. No Brasil, as Forças Armadas são o "grande mudo" que não mais se intromete em questões alheias às suas funções constitucionais. No Chile, a classe militar, que foi o sustentáculo da ditadura, procura limpar seu passado expulsando de suas fileiras o neto do ditador, cujo discurso seria certamente elogiado se Pinochet ainda estivesse vivo e no poder.
O que acontece no Chile se repete em vários países que mantiveram longas ditaduras apoiadas por militares e pelo poder econômico.
Folha de S. Paulo (SP) 16/12/2006