Não posso entrar
Perto de Olite, na Espanha, existe um castelo em ruínas. Resolvo visitá-lo, e quando já estou diante dele, um senhor na porta me diz:
– Não pode entrar.
Minha intuição me garante que ele está me proibindo pelo prazer de proibir. Explico que venho de longe, tento dar uma gorjeta, ser simpático, digo que aquilo é um castelo em ruínas – de repente, entrar naquele castelo se tornou muito importante para mim.
– Não pode entrar – repete o senhor. Resta apenas uma alternativa: seguir adiante, e esperar que me impeça fisicamente. Dirijo-me para a porta. Ele me olha, mas não faz nada.
Quando saio, duas turistas se aproximam e entram. O velho não tenta impedi-las. Sinto que, graças a minha resistência, o velho resolveu parar de criar regras absurdas. Às vezes, o mundo nos pede para lutar por coisas que não conhecemos, por razões que jamais vamos descobrir.
Asas e raízes
“Bendito aquele que consegue dar aos seus filhos asas e raízes”, diz um provérbio. Precisamos das raízes: existe um lugar no mundo onde nascemos, aprendemos uma língua, descobrimos como nossos antepassados superavam seus problemas. Em um dado momento, passamos a ser responsáveis por este lugar.
Precisamos das asas. Elas nos mostram os horizontes sem fim da imaginação, nos levam até nossos sonhos, nos conduzem a lugares distantes. São as asas que nos permitem conhecer as raízes de nossos semelhantes, e aprender com eles. Bendito quem tem asas e raízes; e pobre de quem tem apenas um dos dois.
Quando o discípulo está pronto
Diz um velho ditado mágico: quando o discípulo está pronto, o mestre aparece. Pensando nisto, muitas pessoas passam a vida inteira se preparando para tal encontro. Quando cruzam com o mestre, se entregam completamente – por dias, meses, ou anos. Mas terminam descobrindo que o mestre não é o ser perfeito que imaginaram – e sim um homem igual a todos, cuja única função é dividir aquilo que aprendeu.
Ao ver-se diante de uma pessoa com seus defeitos próprios, o discípulo sente-se roubado. Vem o desespero e o desejo de abandonar a busca – quando, na verdade, é assim que a coisa funciona, é justamente a mudança de mestres que nos deixa livres para criarmos nosso próprio caminho.
Edenilton Lampião deu uma versão muito melhor para o tal ditado mágico: quando o discípulo está pronto, o mestre desaparece.
O diálogo egoísta
Uma coisa é escutar nosso coração; outra coisa é ficar sempre conversando com o nosso Eu interior, sem prestar atenção aos outros.
Este diálogo egoísta muitas vezes não nos deixa dormir durante a noite, e nos tira o prazer de momentos importantes do dia. Reclamamos em silêncio de pessoas que não agiram bem, de coisas que não aconteceram como queríamos, de atitudes erradas que tivemos.
Dentro de cada um de nós existe um anjo e um demônio, e suas vozes são muito parecidas. O demônio alimenta esta conversa, procurando nos mostrar como somos fracos e injustiçados. O anjo nos faz refletir sobre nossas atitudes, mas – geralmente – está tentando silenciar esta voz interna.
Ele sabe que, para descobrir nosso verdadeiro caminho, precisamos conversar com o próximo. Nosso anjo costuma usar muito a boca de outras pessoas para nos dar seu recado.
Diário da Manhã (GO) 10/12/2006