“Hipócrates, o pai da medicina, já afirmava que o clima da região, o alimento que a pessoa ingere, a maneira como ela vive, enfim, tem tudo a ver com o estado de saúde”
Em matéria de saúde pública, as notícias freqüentemente falam de hospitais lotados, falta de medicamentos, surgimento de novas doenças. Mas, felizmente, isso é só uma parte da realidade. As boas notícias também existem, ainda que nem sempre recebam o mesmo destaque. Contudo, os números mostram que, no Brasil, a expectativa de vida aumentou, que a mortalidade infantil diminuiu. Também diminuiu a natalidade, tornando difícil falar na “bomba demográfica” que alarma o mundo desde o reverendo Malthus.
Falando em boas notícias, aqui está uma delas: a mortalidade por câncer de estômago caiu apreciavelmente, o que aconteceu sobretudo nas regiões onde se expandiu a rede de energia elétrica. Mas o que tem uma coisa a ver com a outra?, perguntará o leitor, intrigado.
Pois tem a ver, sim. Mais energia elétrica significa mais eletromésticos. Mais eletrodomésticos significam mais geladeiras. Mais geladeiras significam que o alimento pode ser mais bem conservado, sem a adição de sal e de outras substâncias tradicionalmente usadas para isso. E aí vem a explicação: estas substâncias irritavam cronicamente o estômago, e a irritação crônica de um órgão pode nele desencadear câncer. Em outras palavras: a maneira como vivemos condiciona o nosso estado de saúde ou doença.
Nenhuma novidade nisso. Hipócrates, o pai da medicina, já afirmava que o clima da região, o alimento que a pessoa ingere, a maneira como ela vive, enfim, tem tudo a ver com o estado de saúde. Desde então só tem crescido a importância do estilo de vida na manutenção da saúde ou na geração de doença. E de novo temos, no Brasil, um exemplo muito significativo. Entre as mulheres, a taxa de óbitos por câncer de pulmão passou de 3,61 óbitos por 100 mil para 7,11 óbitos por 100 mil. Um aumento de praticamente 100%, e isso num período relativamente curto (1979 a 2004).
Por quê? Provavelmente por causa do aumento do consumo de cigarros. E por que as mulheres estão fumando mais? Porque muitas delas, infelizmente, ainda vêem no cigarro fator de afirmação pessoal. Fumar é chique. Fumar significaria autonomia, independência. Escusado dizer que, ao longo do tempo, a indústria do tabaco estimulou essa idéia. Criou marcas especiais para mulheres, introduziu, através da publicidade, a imagem das fumantes como mulheres independentes, atléticas, esbeltas. Como o peso corporal é hoje uma obsessão para muitas mulheres, especialmente jovens – aí estão os casos de anorexia nervosa para demonstrá-lo –, a mensagem encontrou eco. Muitas mulheres fumam. E pagam o preço por isso: o cigarro está associado à bronquite crônica, ao enfisema pulmonar, ao câncer em vários órgãos. O cigarro aumenta a possibilidade de aborto e de baixo peso no recém-nascido. Cigarro aumenta a osteoporose e o risco de cardiopatia. Cigarro dá rugas e envelhece a pele. Etc. etc.
Comparem agora as duas notícias, a primeira, que mostra o progresso favorecendo a saúde, a segunda, informando-nos que fantasias equivocadas podem nos levar a comportamentos danosos para nós próprios. E aí vocês têm o duplo potencial do ser humano, o potencial para a vida e o potencial para a autodestruição. Eros e Tânatos, como diria Freud. Qual das duas opções é melhor? Como dizia aquele antigo programa de tevê: você decide.
Correio Braziliense (DF) 8/12/2006