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A guerra não acabou

 

Volta e meia sinto vontade de repetir um assunto que me ocupa e preocupa. A falência das mensagens de paz e amor que nasceram nos anos 60, explodiram no movimento hippie e se sofisticaram nas muitas e suspeitas transas orientais.




Há um trecho de Brecht que gosto de lembrar. Um dos personagens, em "Mãe Coragem", diz que, durante a guerra, há uma certa ordem na sociedade: os grãos estão colhidos e contados.


Desde 1945 o mundo não tem uma guerra para valer. Mas vivemos mal, dentro de nossas pátrias, nossos grupos, nossas escolas e repartições. A guerra pulverizou-se em miniconflitos que estão em toda parte. No restaurante onde vamos comer e somos obrigados a brigar ou brigam conosco, nas ruas, no trânsito, no mercado de trabalho, no mercado da arte.


Precisamos viver alertas, como se atravessássemos a "terra de ninguém" entre os dois fogos de uma guerra tradicional. Na guerra de verdade, sabe-se de que lado virá o tiro.

Na paz que gozamos desde 1945, as causas se minimizaram. Briga-se e mata-se por causas estranhas. À falta de um grande atrito, atrita-se grandemente. Até uma velha injustiça da sociedade, a divisão entre homens e mulheres, foi erguida à condição de causa.


As feministas berram, mostrando que os homens não passam de exploradores. Um amigo, só porque gostava de fazer amor numa determinada posição, perdeu a mulher, que, aliás, gostava de ser amada naquela posição. Mas, no grupo feminista que passou a freqüentar, ela foi recriminada por submeter-se ao papel de objeto sexual.


Um cara assassinou John Lennon em Nova York. Árabes e judeus continuam se matando e morrendo num dos muitos conflitos que marcam a nossa era de paz.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 29/10/2006

Folha de São Paulo (São Paulo), 29/10/2006