Nos meus tempos de redator, recebi o texto de um repórter sobre Tom Jobim. O texto era bom e foi aprovado com as inevitáveis pinceladas de quem o editou. Mas eu fiquei no meu canto, aterrado, não pelo texto em si, que nada tem de aterrorizante, mas pelo que Tom disse ou deixou que o repórter dissesse por ele.
A pergunta inicial era sobre a morte e foi formulada mais ou menos assim: "Tom, ouvimos dizer que, depois da morte de Vinicius de Moraes, você está preocupado com a morte". A reposta do Tom é simples: "Realmente, depois da morte do poeta, estou pensando muito na morte, descobri de repente que, se Vinicius morreu, é bem possível que todos nós morreremos".
Se o autor de "Garota de Ipanema" falou com ironia, o repórter não a captou. A impressão que dá, a quem lê a entrevista, é que Tom nunca tinha lido um jornal, nem visto a página onde se estampam os avisos fúnebres. Precisou que a morte levasse a boa alma do Vinicius para que Tom começasse a desconfiar: "se ele foi, por que não eu?" Foi necessário morrer um poeta para que esse fato tão banal na vida de nós outros entrasse nas preocupações do nosso grande compositor.
Há momentos em que nos julgamos eternos. Faz parte de nossa cobiça. Mas, depois dos 30 anos, qualquer mortal que até então se julgou imortal começa a desconfiar que um dia vai para o beleléu mesmo. E, dentro das possibilidades de cada qual, todos se coçam e se arrumam como podem. O corcunda sabe como se deita.
As religiões, em certo sentido, procuram habituar o homem com a idéia da morte. Mas, com ou sem religião, a morte é o fato mais importante da vida, e o homem será sempre um desgraçado enquanto não aceitar placidamente a rudeza, a estupidez e a necessidade de seu próprio fim.
Folha de São Paulo (São Paulo) 28/10/2006