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Do moralismo à ameaça institucional

 

Os presidentes do PFL e do PSDB passam à nova etapa da contestação do processo eleitoral. O recurso pedido ao Congresso e à OAB para intervir na averiguação policial do dossiê dos dólares já vai ao abalo da normalidade institucional. E se escora na insensibilidade cívica da eleição do novo Legislativo.


 


Talvez o impacto mais fundo dos espantos de 1º de outubro foi o da maciça eleição de Clodovil e Enéas entre as maiores votações de São Paulo. O Estado mais adiantado da União pode se permitir também o luxo teratológico nas suas escolhas eleitorais. O mais grave é o quanto abre, por aí mesmo, o caminho à impunidade política e à inquietante regressão da nossa vida pública. Não é fenômeno dos nossos clássicos grotões. E esses mesmos, ao contrário, mostram hoje como a consciência de base empurra o Brasil da mudança. Foi no Nordeste que o voto direto, mobilizado pelo PT, de vez e de um golpe, quebrou o coronelismo e acabou com a servidão eleitoral, sempre o estigma do nosso país-fazenda.


 


O voto grotesco é também o do amortecimento coletivo, ao vulnerar antecipadamente toda seriedade da virada de página ao que está aí. Aliena, mais que o escrito nojo das classes médias, de nariz empinado, à corrupção. Em nada se incomoda com a permanente, apropriação dos fundo públicos como a cosanostra, gêmea às instituições da República. O valerioduto democratizou a criminalidade contumaz. Puxou ao mesmo redil o partido ingenuamente diferente, mas tão só para mostrar o recurso contínuo ao “caixa 2” pelos provectos e heráldicos governos anteriores ao PT.


 


O inquietante, na eleição de Clodovil, é o adubo que o voto exótico sempre empresta ao status quo. O cinismo é preguiçoso, ao contrário do protesto. Torna-se a soleira do assentimento a qualquer violência institucional, e ao “tudo-bem” que do que aí fique, entre golpes e “terceiros turnos”. Claro, tivemos o Cacareco e o Macaco Tião em antanhos. Mas Clodovil fala, e já disse a que vem – a risco de uma ação popular, em bem da dignidade nacional, que lhe impeça a diplomação.


 


A melhoria social explode já – a partir da estabilização econômica – que não tem ideologia mas real-politik. Passa pelo Bolsa Família, como pelo novo salário mínimo e, sobretudo, pela nova presença do Estado, na sua condução, ao contrário do reformismo da hora, na vã maquiagem da mesma coisa.


 


O percentual que faltou ao petista no primeiro turno lhe permitiria, pela reeleição, desentocar o que para o adversário é uma proposta muda. Mas é estritamente com os votos do povo de Lula que o presidente permanecerá no Planalto. Sem o partido, e sem herdeiros, a mostrar o quanto é o estrito garante de um imaginário que não lhe pertence, mas que hoje assenta a dignidade do país marginalizado. É inédito na história desse começo de século este avanço dos desmunidos, a partir da conquista política para fazer jus à melhoria social e à econômica. Este sucesso tem uma lógica e, sobretudo, uma paciência que levou Lula, para a estupefação do país instalado, desde logo, às dianteiras nítidas para o voto do primeiro turno.


 


Os Clodovis estão acontecendo na medula do Brasil desenvolvido. Os eleitores da Paulicéia, em se permitindo já o luxo político deste desvario, continuarão a decepcionar, por força, Lula a 29 de outubro. Mas quem vê o voto, como opção, e não como arrufo do instante, sabe que, para além dos pruridos do país bem e seus colírios, continua “Lula lá”.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 18/10/2006

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 18/10/2006