Romancista que assume sua missão - que missão é - de pegar um punhado de seres humanos, colocá-los no palco de sua imaginação e no emaranhado aparentemente indecifrável de acontecimentos, reações, oposições, decisões, orgulhos, desprezos, paixões e ódios existentes no âmbito da narrativa que está sendo feita - romancista, assim, ajuda a promover nosso entendimento de como somos, por que fazemos o que fazemos e por que às vezes chegamos a ações inesperadas e indesejadas.
Wanda Fabian cabe inteiramente nessa definição do que vem a ser um escritor comprometido com a verdade da ficção. Esse comprometimento se revela de novo em seu romance "Numa volta do rio", depois de já haver estado presente nos mais de 20 livros, que Wanda Fabian escreveu até hoje.
Desta vez o ponto geográfico escolhido para sua história é a cidade fluminense de Volta Redonda. O tempo é o da instalação da usina siderúrgica local no tempo do Estado Novo de Getúlio Vargas. Levanta a autora toda aquela época e fixa com precisão um período, com os personagens que, reunidos num esforço conjunto para erguer a usina, vivem os dramas e comédias normais num esforço conjunto dessa natureza.
Criadora emérita de tipos humanos e de personagens que transitam por uma história como gente viva - e não como protótipos de gente, que é o mais normal na maioria das narrativas - apresenta a romancista um grupo de pessoas ligadas à siderúrgica e à vida normal da cidade na época, tendo por centro o casal Gilda e Sven.
O enredo inclui também uma escritora, que acompanha tudo e é quem narra o que acontece na comunidade local, em que se acham não só o pessoal da companhia, mas também as figuras normais de uma cidade interiorana, inclusive os padres, com um deles sendo do estilo antigo, e, naturalmente, um grande número de moças casadoiras.
"Numa volta do rio" caminha num ritmo narrativo de grande intensidade, com cenas fortes escritas de modo tranqüilo, o que lhes aumenta a veemência, como a cena do confessionário que vem a ser o lado entre místico e pecaminoso que um Eça fazia tão bem, e Wanda idem. Sua técnica narrativa é aliciante, levando-nos a participar dos acontecimentos da cidade, de seu dia-a-dia, com o que se pode chamar de personagem principal, Sven Undset, que, embora não esteja presente em toda a ação do romance, atravessa-o como um refrão, às vezes equilibrando uma cena, outras tomando a dianteira da história, sempre como ponto de referência, juntamente com Gilda, sua mulher e enfermeira.
O enredo é, no caso, típico de Wanda Fabian, que utiliza sempre um número nada pequeno de personagens, dando-lhes, porém, traços que os individualizam em cada trecho do romance, que mostra, na realidade, uma sucessão de conflitos, numa existencialidade de meio século atrás, o que, afinal, sendo o que somos não se difere muito de uma avaliação existencial de hoje.
Nesse particular, o jeito de narrar da autora de "Numa volta do rio" é novo, mesmo conservando realidades de quando Volta Redonda passou a ser notícia. Ao mesmo tempo, as opções dos personagens inventados pela romancista refletem e realçam um modo de ser brasileiro que só agora passa a integrar nossa ficção.
Diante de mais este livro, com as novidades que traz e a maneira como usa o nosso idioma literário, não mais poderemos deixar de incluir, no grupo dos narradores que buscam a renovação e abrem um caminho novo na ficção do país, o nome de Wanda Fabian. Sua linguagem é altamente significante.
Ela serve à narrativa ao invés de se servir da narrativa para aparecer apenas como linguagem. Ela vai além da simples narração. Na realidade, o que Wanda Fabian faz é buscar e realizar uma estrutura sólida e de língua minuciosamente erguida, com palavras que se estendem sob a forma de um tecido. O fato de ter feito uma obra de arte que também é um documento da instalação de uma unidade industrial básica para o País dá um significado maior a este romance.
"Numa volta do rio" é um lançamento da Editora Imperial Novo Milênio. Coordenação editorial de Walter Duarte. Editoração eletrônica de Ito Oliveira Lopes e Wellington Lopes. Digitação de Gisley Monteiro. Capa de Lígia Vieira de Castro. Apresentação e quarta capa de Áureo Mello.
Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro) 15/08/2006