Faltava-nos ainda, no bojo das decepções com a nossa cultura política, o remédio radical a que aspira a ingenuidade da nossa boa consciência cívica. Veio, afinal, em festa, como um bolo de noiva, o remate definitivo. Convoquemos a Assembléia Constituinte, exclusiva, para a reforma partidária. A sugestão portentosa vem à mesa do presidente. Mude-se a Carta toda, ao invés de estacarmos a cada tentativa de modificação.
A tentação de tornarmos sempre ao marco-zero das legislações é de timbre fascista – o golpe institucional por excelência. Confronte a maturidade de uma cultura democrática, que tem a emenda para corrigir o texto, e manter as suas conquistas anteriores. Mais que refazer sempre, há que melhorar. A Carta de 88 espera ainda por regulamentações decisivas. O que importa não é a lei nova, mas a norma cumprida, no país do jeitinho e, sobretudo, da lei que não pega.
Lula vai às urnas com a vantagem de ter, com uma só cajadada, abatido duas ideologias status quo. A da indignação moralista periódica, para demolir os mesmos governos, e a da reforma ideal, para ficarmos onde estamos. Não se barra a corrupção do sistema, mas só se a reforça, no caixa 2, validado para as próximas campanhas, como vem de reiterar o atual Congresso.
Nem – fora Jefferson e Dirceu – se cassou qualquer parlamentar, não obstante a punição proposta pelas CPIs. Exceto os que afoitamente puseram a corda ao pescoço, confessando o crime. Deparamos um terço da Câmara, condenado ou suspeito de corrupção. Estamos diante de plenários pachorrentos e permissivos,em afronta continuada à nação. Mas 90% dos seus membros vão à cata de novo mandato confiando na amnésia ou na lobotomia de seus eleitores.
Por uma vez, e também na novidade do atual governo, a polícia tem autonomia para continuar as investigações deixadas do “ora veja” do pior Congresso das últimas décadas. E nada nos diz que não se encontrarão barreiras à proposta do Deputado Miro Teixeira de manter-se, após o pleito, a investigação dos legisladores, ora a depor nas delegacias.
O bom governo não se faz de homens impolutos apenas, mas de leis adequadas, dirão os mais argutos diante da crise de sempre. Há muitos verões esperamos a reforma eleitoral, que poria fim aos desmandos de agora – que continuaria pela vontade determinada doa atuais parlamentares. Vai-se à Constituinte para mexer-se em tudo e na verdade ocultar – como agulha em palheiro – o que não se quer mudar. Farão a Carta perfeita os novos representantes recrutados dentre os que se valeram do mensalão, prosperaram com as ambulâncias orçamentárias, acabaram com a verticalização política e consagraram o caixa 2. O Brasil do novo governo Lula não cai na armadilha da lei que não pega, nem de um Congresso que continue, na sua corrupção específica, a ser julgado pelos seus pares, absolvidos, e vamos em frente.
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 09/08/2006