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Ressaca, Ronaldinho e Ronaldão

 

Passado o pouco memorável jogo da terça-feira, as cabeças estão esfriando, mas ainda há muita gente por aqui falando como se o Brasil tivesse perdido. Até mesmo os britânicos, pois não só de arruaceiros se compõe a torcida inglesa. Logo depois do jogo, entrando no elevador do hotel em Berlim, me bati com dois cavalheiros ingleses aparentemente sóbrios, ambos vestidos com a camisa da seleção brasileira, que olharam meu crachá de imprensa e viram que sou brasileiro.


 


Um deles em ato bem pouco comum por aqui, apertou meu ombro e, com o ar de quem tinha acabado de chegar da retirada de Dunquerque, lamentou que tivéssemos feito um jogo ruim.


 


Quase pergunto se eles pertenciam a um desses clubes ingleses exóticos, dedicado no caso a torcer pelo Brasil. Eu imaginava que, na Inglaterra, todo mundo torcesse por ela, mas fiquei com a sensação de que, se eu puxasse, eles cantariam o nosso Hino Nacional inteirinho. Revelaram-se torcedores radicais da seleção e o que não falou comigo deu a impressão de que não conseguiria dizer nada sem ficar aos prantos. Que acontecera a Ronaldo, que acontecera a Ronaldinho, que calamidade era aquela que tinha se abatido sobre o Brasil? Esta vida vive nos surpreendendo e me vi na estranha situação de confortar dois ingleses abatidíssimos com a performance brasileira.


 


Na rua, a mesma coisa. Não se podia dizer que os croatas estavam alegres, mas não vi nenhum deles tão desolado quanto esses ingleses. E os brasileiros que se descobriam meus compatriotas deploravam em altos brados o que tinha acontecido em campo. Vergonha, vergonha das vergonhas! Havia até quem duvidasse de que o Brasil chegasse às quartas-de-final. E, a julgar pelo que bebiam para esquecer, imagino que a quarta-feira deles tenha sido preenchida por uma ressaca tsunâmica, agravada pela desesperança.


 


Mas agora o panorama mudou e a conversa gira em torno dos Ronaldos. Eu, como jornalista, devia saber o que estava acontecendo. Mas claro que eu não sabia e não sei, só ouço palpites e “informações de cocheira” pouco confiáveis. Sei que Ronaldinho saiu do campo de cara amarrada, como já contei, e em comportamento inusitado nele, se negou a conversar. E que o outro Ronaldo, ao que me parece, também não está gordo como dizem, mas com pinta de deprimido, com problemas na cuca. A cara dele, depois que foi substituído, era de fazer dó. E creio que Ronaldinho apenas estava chateado por não ter jogado uma fração do que sabe. Quanto ao Ronaldão, talvez a situação seja pior, porque todo mundo, esquecendo o seu currículo, dá no pé dele e essas coisas de cabeça são meio complicadas de resolver. E é isso que continuo pensando — o resto para mim é fofoca. Sou otimista e espero ainda encontrar os dois ingleses, para comemorarmos a conquista da Copa. Pelo Brasil, é claro.


 


O Globo (Rio de Janeiro) 15/06/2006

O Globo (Rio de Janeiro), 15/06/2006