Quando ninguém se entende, com quem fica a razão? Em pleno mês de junho de 2006, o presidente Lula decidiu enviar novamente ao Congresso Nacional o projeto de lei da reforma universitária. Sem grandes modificações em relação à castigada versão do MEC e também com uma estranha recomendação: para ser examinada sem pressa, ou seja, com a convicção de que não é para ser votada num ano eleitoral. Vai dormitar em algumas gavetas das comissões da Câmara.
De todo modo, cabe um comentário sobre o documento, que não é exatamente um complemento ao chamado "decreto-ponte" há pouco trazido a lume pelo Ministério da Educação. Confirmamos o comentário feito em conferência na Associação Comercial do Rio de Janeiro: ele é inoportuno, cheio de lacunas e perigosamente omisso em relação à autonomia universitária, especialmente das universidades federais. Até hoje não se pôde entender exatamente a razão da sua existência, a não ser que seja para marcar, com tinta forte, que ninguém se entende sobre a matéria, nas diversas instâncias do governo federal. Se o projeto de lei estava pronto para subir ao Congresso, para que um incompreensível decreto-ponte? É estranhíssima essa terapia ocupacional, enquanto os grandes problemas nacionais relativos ao ensino superior permanecem como desafio imbatível.
O projeto de lei, na sua quarta versão, cortou as polêmicas cotas para a rede pública. É certo que existe outro projeto tramitando na Câmara dos Deputados a respeito do assunto, mas aí se caracteriza bem a colcha de retalhos em que se transformou a educação brasileira, com tiros em todas as direções. Enquanto isso regrediu, o que nos parece uma barbaridade foi mantido: de todos os recursos financeiros do MEC, nada menos de 75% serão destinados ao ensino superior. Não se fala em aumento de percentuais para a educação como um todo, mas numa nítida despreocupação oficial com a educação básica, que ficaria à mercê de Estados e Municípios combalidos. Onde fica a lógica? Parece mesmo configurar um tempo de zorra total.
Mantém-se a lista tríplice nas eleições para reitor, cabendo a escolha final ao presidente da República, no caso das instituições oficiais. Tirar o primeiro lugar, na decisão soberana da comunidade, de nada adianta. O tema continuará escandalosamente politizado, como é hoje, de pouco valendo o que se entende por mérito. Como a confusão é um estilo, o projeto estima novas regulamentações para a oferta de cursos e a abertura de instituições de ensino, nessa babel criada agora pelo decreto-ponte, que só conseguiu um resultado concreto: desmoralizou o Conselho Nacional de Educação, atribuindo-lhe papel secundário naquilo que foi durante tantos anos a razão principal da sua existência.
São 58 artigos que estarão em discussão no Congresso, com o propósito caricato de "democratizar, garantir o financiamento, ampliar o acesso e qualificar as universidades brasileiras". Seria uma espécie de marco regulatório do ensino superior com uma incrível novidade: até 30% das nossas instituições poderão pertencer a organizações ou pessoas físicas estrangeiras.
Há exigências de mestrado e de doutorado e prevê-se a participação da sociedade civil nos órgãos colegiados, ainda que de forma obscura. Enfim, o texto ensejará muito pano pra manga.
A Gazeta (ES) 22/6/2006