Estávamos, Carmo e eu, em Bruxelas para a inauguração de uma galeria de arte em honra de Marcantonio e, após o ato que tanto nos emocionou, fomos ao show de Lenine, em teatro famoso. Um teatro lotado e enlouquecido no aplauso.
Ao final do espetáculo, ele convoca artistas do palco, além de diplomatas e gente da platéia, para homenagear o seu conterrâneo desaparecido. Mais emoção. Mais palmas. Lágrimas, também.
Logo depois, na casa do embaixador Gerônimo Moscardo a internet me põe aos olhos letras de música do amigo Lenine e uma delas dizia assim: " Não feito, não perfeito, não completo/ Não satisfeito nunca, não contente/ Não acabado, não definitivo:/ Eis aqui um vivo/ Eis-me aqui".
É o puro Marcantonio. Ele, não se completou, que não se satisfez por Ter sempre mais o que fazes, que não entendeu a arte como algo que tem termo final. No entanto, viveu e viveu tão validamente que comparecia ali em Bruxelas, como cidadão do mundo.
Este ano, depois dos sete da partida, novas consagrações embelezaram a sua vida.
Ele diz pra gente "Eis-me aqui".
A seqüência do Prêmio CNI/SESI provou o acerto da promoção, que cresce e se torna uma referência no setor das artes plásticas. O "Prêmio Marcantonio Vilaça", do Ministério da Cultura, tem a sua primeira edição e entrou no calendário cultural da República, oriundo de iniciativa do Poder Legislativo e que se opera com interesse total do Ministro Gilberto Gil, através da Funarte. Em Curitiba, seu nome prestigia o Centro Cultural da Unidade da FGV para o Mercosul. O Banco Real edita primoroso catálogo com obras do seu acervo e colóquio de críticos de arte em torno do que plantou. O Espaço Cultural da TCU, em Brasília, dinamiza-se e traz mais louvor ao seu patrono.
Estas são algumas das flores que não murcham nunca e os pais costumam por no seu túmulo, ao lado de suas fotos ou ao pé dos ícones em sua memória. São flores de amor. Flores da lembrança permanente que já não é apenas nossa, também dos que reconhecem nele um construtor de bens culturais.
Aquele lado trágico da morte, no plano filosófico-antropológico, não se impõe diante dele, destinatário do futuro.
Marcantonio é espécie de "Rei Ausente", de que falou Waldemar Lopes em soneto inesquecível, dedicado a Manuel Bandeira.
Esse " Rei Ausente" foi julgado nos últimos dias, por Soraia Cals. A notável especialista em artes plásticas, a propósito do seu poder de descobrir talentos e fazê-los presentes no cenário internacional, disse simplesmente o seguinte: " Marcantonio era um gênio".
Talvez seja excessivo mas o testemunho indica a excelência da sua obra, que a gente, faz sete anos, percebe-a em ainda maior densidade. E há de se recordar Miguel Torga: " O renome é o salário do triunfo".
Tenho recordado para Carmo (sempre estou a me valer e a repetir textos que li, inclusive por dizerem bem o que não sei dizer) estas palavras de Fernando Sabino: " De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar".
Não parece Marcantonio?
Em nada feriram a sua imagem uma ou outra mesquinharia, um ou outro minúsculo esquecimento, uma ou outra postergação a manter mais acessa a sua memória e mais enfático o respeito à sua coleção de arte, pois o que prevalece é o conceito. E conceito igual ao dele há poucos, entre os brasileiros do seu tipo de atividade e com o escasso tempo que viveu.
Baudelaire escreveu: "C'est la mort qui console, hélas! Et qui fait vivre".
Afivelados na dor, os pais tem pedido aos amigos que mantenham seus sorrisos o caminho pois estamos juntos a Marcantonio, passando com a nossa dor e a cantar com Lenine, "Eis aqui um vivo Eis-me aqui", Pois morrer também não significa abraçar-se à aurora?
Diário de Pernambuco (PE) 30/12/2006