Dos grandes problemas brasileiros do momento, sou de opinião de que o mais grave e mais urgente é o da marginalização da comunidade negra no País. A festa da abolição foi magnífica. Discursos, passeatas, gritos, vivas, páginas e mais páginas da imprensa exaltando o ato. José do Patrocínio Filho coroado como herói nacional, tudo no melhor estilo brasileiro.
Mas os escravos que então deixavam de o ser, foram esquecidos, jogados para um lado, como se não existissem. Não se lhes deu o mínimo de atendimento a fim de que pudessem ingressar em escolas e faculdades. Nada se lhes ensinou. Dizer que a situação dos anos que seguiram a 1888 continua a mesma é uma verdade que nenhum otimista poderá contestar. É por isso que todo o esforço para melhorar esta inaceitável situação merece o mais entusiasmado apoio.
O livro de Edir Meirelles, "O feiticeiro da Vila", está neste caso. Sua luta é, do começo ao fim da narrativa em favor do reconhecimento da importância dessa população excluída. Os grandes nomes da literatura brasileira, herdeiros do sangue africano, elevaram nossa cultura ao mais alto nível de criação.
Se aceitarmos que Machado de Assis é o nosso maior escritor, Lima Barreto, o nosso maior romancista, e Cruz e Souza, o nosso maior poeta, não estaremos longe de uma verdade que deve ser motivo de honra para o Brasil.
No caso de Lima Barreto, essa verdade levou Oliveira Lima a classificar um de seus personagens como o Quixote brasileiro. Candidato à Academia Brasileira de Letras, teve apenas um voto. Vale a pena que se lembre haver esse voto sido dado por João Ribeiro, um dos ápices do pensamento brasileiro.
O livro de Edir Meirelles percorre os caminhos da presença negra no Brasil, a força de sua cultura, a beleza de sua música, a variedade espantosa de sua passagem por todos os escaninhos da inventividade.
Os heróis brasileiros (Zumbi, João Cândido, Rebouças) estão presentes em nossa memória. Quando, em agosto de 2001, o desaparecimento de Jorge Amado chocou o País, nele fizemos questão de lembrar o muito que o grande escritor representava, por haver tirado de sua imaginação um grande número de personagens negros, com seus orixás hoje tornados brasileiros.
Louvemos Edir Meirelles por ter escrito este livro e por lembrar que um hino da escola de samba (o de Vila Isabel) seja "Sonho de um sonho", inspirado em poema de Carlos Drummond de Andrade. A matéria ficcional de Meirelles apresenta páginas que merecem destaque e menção, como a morte da porta-estandarte Lucinha e a do Leo, que a matara.
Conforme explicita, muito bem, José Louzeiro, em seu prefácio ao livro de Edir Meirelles: "Nas linhas e entrelinhas desta obra Edir Meirelles nos remete a uma reflexão: é o poder político que altera o sistema social de um povo e de uma nação.
Isto nos leva a recordar o `Analfabeto político', de Bertold Brecht, em que fala da necessidade de negociar. O preço do pão, da luz, da escola, do calçado, etc., tudo é fruto de negociação. Edir Meirelles não esqueceu, em nenhum momento, a lição do dramaturgo alemão e de seu personagem Eduardo, que atravessa a vida, como todos nós, em permanente negociação".
Por representar um lado importante do complexo cultural brasileiro, com todas as suas contradições, abre o romance de Edir Meirelles um caminho novo no analisar o que somos, como somos e mesmo para onde poderemos ir, dentro das circunstâncias em que nos achamos, apresentando-se, por isto, como obra literária que nos ajuda no entendimento de um país cujas arestas são muitas e às vezes invisíveis".
"O feiticeiro da Vila", de Edir Meirelles, é um instrumento na luta de que devemos todos participar, se quisermos abrir um caminho novo no esforço que todos devemos fazer para transformarmos o Brasil num país que venha a ser, realmente, de todos os brasileiros. Lançamento da Universitária Editora. Consultoria de Marcio Vassallo, editoria de Gil Magno Leite, capa da Grafismo Total, prefácio de José Louzeiro e declaração de apoio de Martinho da Vila.
Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro) 05/09/2006