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Colonizados e colonizadores

 

Nesta Copa tem havido jogos entre seleções de países que foram colonizados ou ocupados pelos seus adversários no futebol. Ontem mesmo, a França, depois de um primeiro tempo sem gols, acabou ganhando de seu ex-colonizado Togo.


Togo, país africano que só ficou independente há pouco mais de 40 anos, tem uma longa história de sofrimento, o qual não foi muito amenizado pela independência, como acontece com a maioria do ex-colonizados africanos. E, embora enfrentasse a supostamente poderosa França, mantinha a esperança de ser o segundo país africano a classificar-se para as oitavas-de-final. E a França, se derrotada, voltaria para casa.


Togo não foi só colonizado pela França. A Alemanha, que não tem a história de colonização da Inglaterra ou da França, também o manteve sob seu domínio, embora se diga que trouxe alguns benefícios (tenho um pouquinho de dificuldade em acreditar nisto, mas é o que falam). E Gana, seu vizinho, naquele tempo a etnia axânti, também o atormentou, porque capturava toguenses para vendê-los como escravos. Alguns, ou muitos, não sei bem, foram comprados pelos portugueses para trabalhar no Brasil. Para sumarizar, Togo é protagonista de uma história de opressão e sofrimento.


Aí, não houve jeito. Vi o jogo com a França torcendo por Togo. Claro, isso não apagaria nada do padecimento que ele tem vivido através dos tempos, mas humilhar o futebol francês, tão cheio de si, teria, acho eu, um sabor muito especial para os toguenses. Sim, eu sentiria a despedida melancólica do grande Zidane e não tenho antipatia nenhuma pelos franceses — não tenho antipatia por povo nenhum, na verdade, e só os xingo, quando xingo, por causa de futebol. Minhas antipatias são contra governos, não contra povos.


Mas bem que a Costa do Marfim e Togo, pelo menos, podiam partilhar do destino de Gana, o primeiro país africano a chegar às oitavas-de-final. Gana vai jogar contra a gente e, claro, vai perder (bato na madeira quando digo isto, mas torcedor é torcedor e o time deles não pode ser comparado ao nosso), mas já está felicíssima com seu desempenho e seus torcedores se exibem pelas ruas das cidades alemãs cobertos de glória. Não são pretensiosos ou pouco realistas, sabem que provavelmente vão ser eliminados pelo Brasil. E uma altamente improvável vitória deles contra o Brasil não seria uma vitória sobre um antigo invasor, mas simplesmente contra os atuais campeões do mundo. Não seria uma espécie de revanche contra os colonizadores, como seria no caso da França. A História, contudo, não é justa, nem tampouco a vida em geral. A História simplesmente acontece. Mas, se é que isto vale alguma coisa, eles podem pelo menos ter certeza de que muito mais gente do que talvez pensem, quis vê-los vitoriosos nesse jogo que perderam.


 


O Globo (Rio de Janeiro) 24/06/2006

O Globo (Rio de Janeiro), 24/06/2006