Já lembrei aqui o centenário de Jean-Paul Sartre que seus devotos estão comemorando. Grande parte da crítica e a maioria dos leitores o consideram superado, tanto na filosofia como no ensaio, no teatro, conto e romance. Concordo em parte com esse tipo de datação, mas continuo admirando sua ficção.
Fiz palestra na Universidade Estadual do Rio de Janeiro sobre a influência sartreana na obra dos autores surgidos logo após o final da Segunda Guerra, deixando claro o meu desprezo pelo filósofo e pelo ensaísta, que considero menores e realmente superados. Mas pisei forte a favor de sua importância, sobretudo no conto e no romance.
À saída do auditório, ela me abordou. Perguntou qual o livro de Sartre que deveria ler para entrar no clima que eu acabara de invocar. Indiquei-lhe "A Náusea" e "A Idade da Razão". Ela preferiu o segundo. Dias depois me procurou.
"Tudo bem?", perguntei-lhe.
"Mais ou menos", ela respondeu. "Com exceção do título, tive a impressão de que sou personagem do livro, vivi alguns de seus episódios, estou vivendo ainda..."
"O que há com o título? Não gosta da idade da razão?"
"Preferia que fosse o contrário: a razão da idade."
E explicou. "Tenho 38 anos. O Mathieu do livro descobriu a idade da razão aos 35. Eu descobri bem antes. Atualmente, estou encarando a razão da idade, compreende?"
Não compreendi. Ela acrescentou: "A idade da razão poderia me justificar, mas não me explicaria. Ao contrário de Mathieu, estou na razão da idade. Apesar do montão de artigos que leio em livros, revistas e jornais garantindo que nós é que fazemos o nosso próprio tempo, o tempo dos outros é que nos faz. No meu caso, o passado foi um futuro que não houve, e o futuro não é o roteiro preferencial."
"E o presente? O que é o presente para você?"
Ela perguntou se eu podia emprestar-lhe "A Náusea".
Folha de São Paulo (São Paulo) 22/12/2005