Gostei da homilia proferida pelo papa durante a missa do Galo, na medida em que me entediei com seu pronunciamento, no dia seguinte, na praça do lado de fora, quando disse o óbvio, as coisas que todos dizem em datas festivas ou marcadas por alguma tragédia.
Fim do terrorismo, cordura, compreensão entre os povos, respeito à pessoa humana etc. Só faltou falar sobre o valerioduto e o aniversário da morte do Herzog. Bem, é da praxe. Nada trouxe de novo, nem sequer revelou o homem que agora é Bento 16.
Na missa foi diferente. Falou o professor, o intelectual que deu sua aula e, além disso, anunciou como será o seu pontificado à frente da instituição 20 vezes secular, a mais antiga da história.
O novo papa não é um daqueles vidrinhos das farmácias de homeopatia, onde cada frasco tem rótulo, coincidentemente, em latim, como o veterano "alium sativum" que curava meus resfriados infantis. Dizer que é conservador equivale a dizer que Lula é corintiano e Oscar Niemeyer bravamente continua comunista -daí minha admiração por ele. Rótulos podem marcar o homem, mas não o definem.
Na homilia da missa do Galo, o papa Bento 16 mostrou-se vertical, recusando a horizontalidade que está transformando a igreja numa ONG poderosa, em nível mundial, mas que não vai além das preocupações pontuais da realidade, daquilo que chamam de "mundo moderno", mundo que sempre foi moderno para cada geração que se sucedeu ao longo da história.
O papa centrou-se no belo texto de Lucas. Definiu didaticamente cada palavra, sobretudo "paz", "luz" e "pastor". Foi a pastores nos campos da Judéia que a luz veio de cima, verticalizando a mensagem. Um pastor naquele tempo nem podia prestar testemunho nos tribunais, não era nada. Apenas vigiavam rebanhos, deviam ser vigilantes, estar vigilantes para qualquer anormalidade. E a anormalidade veio de cima, em forma de luz. Sem olhar para cima, o que nos sobra é olhar a careca do Valério e a barba do Lula.
Folha de São Paulo (São Paulo) 27/12/2005