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Réquiem para Oscar Dias Corrêa

 

Nestes dias de luto, é doloroso escrever sobre um homem plural como Oscar Dias Corrêa, falecido na semana passada, um mineiro nascido na sua querida Itaúna, há 84 anos, que, ainda mocinho, vencia um concurso de oratória. Aquele triunfo já prenunciava o incomparável orador que seria vida afora e previa igualmente o discípulo de Dante, o pai da poesia italiana, mas sobretudo o autor da Divina comédia, em homenagem à sua platônica paixão por Beatrix Portinari.


A admiração pelo poeta florentino levaria naturalmente o menino itauense a aproximar-se de Giácomo Leopardi e a saber de cor estrofes inteiras do Inferno, do Purgatório e do Paraíso dantianos, onde Alighieri - nesta obra que é talvez a maior expressão do humanismo cristão medieval - atravessa os nove círculos do Inferno e, no ápice da montanha, encontra Beatrix, que o conduz ao Paraíso.


Em 1940, com 19 anos, Oscar teve uma pleurisia, com infecção nos dois pulmões. Internou-se no Sanatório Belo Horizonte, de onde saiu curado, e foi aprender o italiano. Em 1944, foi solicitado por Pedro Aleixo a assinar um telegrama de solidariedade a José Américo pela entrevista contra o Estado Novo e respondeu: ''Dr. Pedro, vou assiná-lo, porque na prisão o senhor leva jeito de ser pelo menos um bom companheiro''.


Recém-formado em Direito, Oscar abriu um escritório com Carlos Castelo Branco, em Belo Horizonte. Certo dia, um possível cliente o consultou sobre a especialidade do escritório, e ele respondeu: ''Meu amigo, quando você está começando a advogar, não tem esse luxo de especialidade. Tudo é clínica geral''.


Já deputado federal no Rio, em 1956, integrou a ''Banda de Música'' da UDN ao lado de Lacerda, Adauto Cardoso, Aliomar Baleeiro, Bilac Pinto, Afonso Arinos, Prado Kelly e Odilon Braga. Todos participaram talvez da mais brilhante fase da democracia brasileira, entre 50 e 60, que testemunhei de perto, no Palácio Tiradentes, com suas galerias repletas de manifestantes extasiados diante daquele exercício diário de oratória.


Um clima de íntima confiança reinava então entre parlamentares e jornalistas. O deputado Oscar Corrêa, em suas Memórias políticas, relembra. ''Carlos Castelo Branco e Murilo Melo Filho queriam apenas informações e frases. Um dia, eu pedi ao Murilo: 'Quando a frase for boa, você pode botar na minha boca. Quando for ruim, você bota na boca dos meus adversários'''.


Como secretário de Educação do governador Magalhães Pinto, construiu 500 escolas no primeiro ano de governo. Como ministro do Supremo Tribunal Federal, na sucessão de Clovis Ramalhete, participou da companhia de magistrados como Moreira Alves, Djaci Falcão, Rafael Mayer, Décio Miranda e Cordeiro Guerra. Numa mensagem, hoje mais atual que nunca, dizia ele que ''um ministro do Supremo não deve depender de ninguém, porque tem de ser absolutamente livre e não pode estar sujeito a nenhuma outra peia, a não ser a peia da Constituição. O Supremo não pode se meter em brigas, nem pode tomar partido''.


Como advogado, manteve a sua banca de advocacia como uma trincheira indômita na preservação do direito e da justiça, um herdeiro dos acadêmicos Rui Barbosa, Pedro Lessa, Aníbal Freire, Pontes de Miranda, Clóvis Bevilacqua, Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Raimundo Faoro.


Escreveu o romance Brasílio, um livro de contos, várias obras jurídicas e este Viagem com Dante, ao qual dava muita importância, lançado infelizmente já sem a sua presença. Na ABL, está fazendo muita falta, porque era o proprietário de uma cultura suficientemente sólida para resolver os problemas de natureza regimental, estatutária ou jurídica, aos quais propunha sempre uma solução pertinente e correta. Era um colega querido que, ao longo dos 16 anos de sua presença entre nós, desde 1989, deu provas cabais de um excelente companheirismo.


Ele foi também uma lanterna, uma Bíblia, uma bússola, um azimute e um norte a balizar, a vocalizar e a sinalizar os caminhos de toda esta nossa comum e atual geração de brasileiros, que dele têm motivos de honra e de justo orgulho.




Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 07/12/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 07/12/2005