Francamente, é duro um profissional da mídia voltar-se contra ela, acusando-a de comer mosca em dois casos que irritam e envergonham a sociedade, esponjando-se num tipo de espetáculo que funciona em telenovelas ou romances de costumes, mas só agrava a realidade da crise que atravessamos.
Os dois casos estão em destaque, criando o avestruz que se recusa a ver a realidade. O primeiro é relativo aos escândalos do governo e do PT, tratados de forma pontual, acrescentando a cada dia novas cifras, novos documentos, novas acusações provadas ou negadas, incluindo o Gran Circo da entrevista presidencial, que choveu no molhado, revelando o que já estava revelado.
Daqui a um ano, já teremos um novo presidente da República - que ainda poderá ser o mesmo -, teremos novos governadores, senadores e deputados. E nada de reforma eleitoral, que é a causa de todos os escândalos. A campanha de 2006 será feita nas bases que conhecemos. Não mais haverá caixa dois, que foi flagrada e deu na porcaria que deu. Mas haverá caixa três, que estreará com grande força no mercado. Como está, a Lei Eleitoral não impedirá a corrupção. Ela sobreviverá com outros valérios, delúbios, com outras cifras, com outras CPIs, mas tudo continuará no mesmo.
O outro caso é a reforma do Código de Processo Penal, responsável pela liberdade de três assassinos confessos que mataram a pauladas um casal que dormia. Felizmente, não temos pena de morte, que torna a condenação irreversível. Mas o crime a que me referi, passados três anos, já deveria estar julgado, com a ampla defesa dos réus assegurada, mas sem as brechas processuais de tempo e modo que transformam a "ampla defesa" num adiamento sucessivo que pode chegar até ao prazo da prescrição legal.
Sem reforma eleitoral e sem reforma do processo penal, continuaremos a catar milho, a trancar portas arrombadas, a pavimentar a larga estrada da corrupção e do crime.
Folha de São Paulo (São Paulo) 12/11/2005