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Anotações do diário inexistente

 

Um ritual em Valência


AS FESTAS DE VALÊNCIA, NA ESPANHA, têm um curioso ritual, cuja origem está na antiga comunidade dos carpinteiros.


Durante o ano inteiro, artesãos e artistas constroem gigantescas esculturas de madeira. Na semana de festa, levam essas esculturas para o centro da praça principal: as pessoas passam, comentam, ficam deslumbradas e se comovem diante de tanta criatividade.


Então, no dia de São José, todas essas obras de arte - exceto uma - são queimadas numa gigantesca fogueira, diante de milhares de curiosos.


“Por que tanto trabalho à toa?”, perguntou uma inglesa ao meu lado, enquanto as imensas labaredas subiam aos céus.


“Você também vai acabar um dia”, respondeu uma espanhola. “Já imaginou se, neste momento, algum anjo perguntasse a Deus: ‘por que tanto trabalho à toa?’”


Vergonha de ser bom


Às vezes temos vergonha de fazer o bem. Nosso sentimento de culpa tenta sempre nos dizer que, quando agimos com generosidade, estamos mesmo é tentando impressionar os outros, “subornar” Deus etc. Para uma boa parte da humanidade parece difícil aceitar que nossa natureza é essencialmente boa.


Todos nós conhecemos pessoas que procuram cobrir seus gestos bons com ironia e descaso, como se amor fosse sinônimo de fraqueza. Um famoso escritor caminhava com um amigo, quando um garoto atravessou a rua sem notar um caminhão que vinha a toda velocidade. O escritor - numa fração de segundo - arriscou sua vida, atirou-se na frente do veículo e conseguiu salvar o garoto.


Mas, antes que alguém o parabenizasse pelo ato heróico, deu um soco no rosto do menino:


“Não se deixe enganar pelas aparências, meu filho”, disse ele. “Só o salvei para que você não possa evitar os problemas que terá como adulto!”


O bêbado na mesa ao lado


Depois de uma exaustiva manhã em Fort Lauderdale, dando palestras para crianças, vou almoçar com uma amiga advogada. No restaurante, sentamos numa mesa ao lado de um bêbado, que insiste em puxar conversa o tempo todo.


À certa altura, minha amiga pede ao bêbado para ficar quieto. Mas ele insiste:


- Por quê? Eu falei de amor como um homem sóbrio nunca fala. Demonstrei alegria, tentei comunicar-me com estranhos. O que há de errado nisto?


- O momento não é apropriado - responde ela.


- Quer dizer que existe hora certa para demonstrar felicidade?


Depois desta frase, convidamos o bêbado para a nossa mesa.


Um texto de Santa Tereza D’Avila


“Lembrem-se: o Senhor nos convidou a todos e - como Ele é a pura verdade - não podemos duvidar deste convite. Ele disse: ‘Vinde a mim os que estão com sede, e eu lhes darei de beber’.


Se o convite não fosse para cada um de nós, o Senhor teria dito: ‘Venham a mim todos os que quiserem, porque vocês não têm nada a perder. Mas eu darei de beber apenas para aqueles que estão preparados’.


Ele não impôs qualquer condição. Basta caminhar e querer, e todos receberão a Água Viva do seu amor”.


 


O Globo (Rio de Janeiro) 13/11/2005

O Globo (Rio de Janeiro), 13/11/2005