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"Abram isso! Abram isso!"

 

Deodoro estava com uma crise, dizem que de hemorróidas. Não se trata de doença letal, mas aporrinha pra burro, dá um mau humor desgraçado. No mais, tudo estava bem para os lados dele, era o chefe inconteste do Exército Nacional, amigo de dom Pedro 2º (mas não aproveitador), respeitado pelos companheiros que nele viam realmente um chefe.


No dia 15 de novembro de 1889 uma pequena comissão foi tirá-lo da cama. Estremunhado, quis saber o que se passava. A comissão, formada por líderes republicanos, disse que era preciso depor o mais recente gabinete nomeado pelo imperador e, em decorrência, depor o próprio imperador. Com a Abolição, a monarquia entrara em coma.


Deodoro nem era republicano. Não conspirara, era apenas militar e sofria de hemorróidas. Além de autoridade máxima do Exército, morava próximo do QG - Machado de Assis diria que morava "ao pé".


Deodoro montou em seu cavalo e dirigiu-se ao quartel-general, cujos portões estavam fechados. Do alto de sua montaria, deu dois gritos:


- Abram isso! Abram isso!!


Cada país tem as frases históricas que merece. O "isso" em questão não era apenas o quartel-general, era o regime, o Império. Estava proclamada a República, o povo nem ficou sabendo. Segundo Aristides Lobo, ficou é "bestificado".


Corte rápido para 2005. Dona Dilma Rousseff, que não é general e aparentemente não sofre de doença alguma, anda pedindo ao ministro da Fazenda que abra isso. A diferença é que o "isso" da ministra não é o regime, mas as burras da nação, fechadas pelo ministro da Fazenda.


De nada adianta acumular superávits primários ou secundários, gastar apenas 10% ou 15% do Orçamento para receber elogios do FMI e do capital internacional a custa de hospitais lastimáveis, estradas em decomposição, segurança da população no nível mais baixo de nossa história.


"Abra isso!", pede a ministra. A história tem o bom gosto de se repetir.




Folha de São Paulo (São Paulo) 15/11/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 15/11/2005