Aprendi com um professor, lá no seminário em que estudei, que só há duas maneiras de enfrentar uma situação difícil como a que agora atravessamos, quando suspeitamos que tudo vai mal na vida pública, de tal forma que, independentemente de estarmos certos ou errados, de estarmos ou não envolvidos pessoalmente na crise, sempre sobra alguma coisa para o nosso lado.
A primeira dessas maneiras é rezar. Pode ser o caso de muitos, mas não o meu. Só rezo em momentos especiais, muitos especiais, quando o avião enfrenta uma turbulência braba ou em turbulências outras e mais ou menos inconfessáveis.
A segunda é apelar para os poetas, não os poetinhas da vida, mas os poetas mesmo. E nenhum deles melhor, tirante os grandes clássicos (Ovídio, Horácio, Virgílio, Shakespeare, Dante, Camões etc.), do que T.S. Eliot, talvez o único do século 20 que aumentará a lista dos grandes clássicos.
"Que rumor é este?/ O vento sob a porta. /E que rumor é este agora? Que anda o vento a fazer lá fora?/ Nada. Como sempre nada."
O que está ventando sob nossas portas não é mole. Começou com um caso de suborno quase banal, desses que acontecem todos os dias, em todas as horas e sob todos os pretextos. A corrupção de um funcionário subalterno dos Correios, coisa de R$ 3.000, provocou um tornado, um tsunami que engolfa deputados, ministros intocáveis, salvadores da pátria de vários tamanhos e feitios, até o presidente da República.
É a velha história: uma borboleta bate as asas na Tailândia e um furacão devasta a Flórida. Percebemos o rumor sob a porta. Sabemos que é o vento que bate lá fora. Que quer o vento que bate lá fora? Diz o poeta que nada, como sempre nada.
É mais ou menos o que começamos a suspeitar. O que há de rumor por baixo de nossas portas não é mole. Apesar do vento que se transformou em furacão, mais cedo ou mais tarde ficaremos face a face diante do nada.
Folha de São Paulo (São Paulo) 17/11/2005