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A democrática fome de universidade

 

Há que esperar que de fato, na presente legislatura, a reforma universitária venha a ter toda a acolhida que merece, na amplitude de seu debate e na prioridade que ganhou na gestão dos ministros Tarso Genro e Fernando Haddad. Ela só vem se somar ao resultado e ao êxito do projeto do Prouni e a ganho de uma efetiva e verdadeira mudança qualitativa nas expectativas de acesso de uma nova geração brasileira, nos seus grupos menos favorecidos, ao ensino superior. São, na verdade, cerca de 1 milhão e 200 mil jovens já hoje capacitados a chegar ao campus mas que não se logram juntar aos 4 milhões e 200 mil universitários brasileiros.


As propostas de dinamização do setor público ampliarão a oferta do ensino gratuito, sobretudo a partir da generalização do ensino noturno nos campi federais. Mas continuará minoritária essa condição de mudança para o próximo lustro, de par com a multiplicação da chegada ao campus que o dramático aumento da conclusão do ensino secundário - de 28% para possivelmente 42% de uma mesma geração - venha a possibilitar. A iniciativa privada é intrinsecamente ligada pela Carta Magna ao seu valor social. E é esse valor social que se quer pôr em evidência, e cada vez mais, no auxílio e na cooperação que, pela própria Carta, pode merecer do Estado brasileiro.


Não há que insistir sobre os riscos calculados que, a bem dessa mesma função social, as nossas políticas públicas incorreram, ao desvincular a prestação do ensino das regras básicas de uma economia de mercado, permitindo o atraso das mensalidades no decurso de todo um semestre de ensino. Ou mesmo ao poder legitimar o paradoxo de uma continuada migração do aluno inadimplente, que pode chegar ao fim de curso somando semestres feitos em universidades diferentes com estrito pagamento das matrículas iniciais.


É de se esperar que a correção desse princípio venha de par com o atendimento das condições de força maior em que, ao longo desses anos e por força da lei, os setores tradicionais de ensino privado viram comprometida a sua economia de serviço, o pagamento dos seus custos básicos de operação, chegados até aos riscos da impontualidade da paga de suas despesas de pessoal. Seu reflexo inevitável foi - também ao longo desta década - o do financiamento, pelos ônus fiscais, da sua liquidez mínima. É dificílimo encontrar-se estabelecimento de ensino superior que, comunitário até, filantrópico ou mesmo sem fim lucrativo, não tenha entrado na lista dos refazimentos dos seus débitos e dentro deles na busca ainda de novas moras, pela inviabilização clara de suas pagas, tendo em vista as economias rompidas entre receita e despesa de suas operações.


A solução dessa problemática, pelo próprio atraso da reforma universitária, exige atenção do ministério ainda no período pré-eleitoral de 2006. A proposta contemplada pelo setor privado é a de imediatamente oferecer a ampliação das gratuidades no programa de bolsas obtido pelos primeiros estímulos, tão bem-sucedidos, do Prouni. A meta é que se possa, ao longo do próximo qüinqüênio, garantir um incremento anual de 10% de gratuidades ora oferecidos, a partir do benefício dos grupos de classes C e D no seu conjunto. A identificação desses pretendentes se faria pelos dados anuais do IBGE, atendendo-se à mensuração de seus respectivos orçamentos domésticos.


Esses 1 milhão e 500 mil moços que completaram o ensino secundário e não podem pagar a universidade privada abarrotam os vestibulares dos campi públicos, às vezes numa relação de 20 para 1 ingresso, como nos cursos de direito das universidades federais do Rio de Janeiro. A medida de reservar 50% das vagas no ensino estatal ao carente mal atende ao fluxo de uma nova geração, que sabe que o anel de grau representa, para 68% dos formados, um multiplicador de 10 salários mínimos.


A colaboração realista entre os setores público e privado da universidade brasileira desenha a luz do aumento da procura do ensino superior, tal como mostra a onda dos novos vestibulares públicos em fins de 2006. As previsões excedem os exponenciais inicialmente adiantados e são resultados do impulso logrado, justamente, pelo ensino secundário público em todo o País. A esta altura, também as demoras de uma solução imediata apresentam um mesmo disparador do que seja a larga política de acesso a que se identifica o presente governo. Ao lado da solução de fundo que representará a reforma, ela pode, desde já, manter a expectativa que despertou o gesto dos ministros Tarso Genro e Haddad, e de que conta a amplitude dos debates do democratismo procurado nas soluções e no desenho da largueza de vistas, em que a educação superior responde à lógica funda da mudança por sobre a do velho Brasil instalado, e teimoso.




Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 25/11/2005

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 25/11/2005