Numa época em que todos lamentam alguma coisa, a polícia inglesa lamenta a morte equivocada de um brasileiro, o presidente Bush lamenta as enchentes de Nova Orleans, o PT lamenta as tramóias de seus dirigentes, nada demais que se lamente o suborno dos árbitros de futebol.
Neste último caso, que envolve uma das paixões do povo brasileiro, a revelação de que os árbitros podem ser subornados não chega a ser novidade. A novidade é que, antigamente, o torcedor pensava que o subornador era algum cartola do time adversário. Desforrava-se chamando o árbitro de "ladrão" ou xingando a mãe do cara -fazia parte do jogo. A possibilidade (ou a certeza) de que o juiz iria roubar era condimento indispensável ao calor da partida. Repito: fazia parte do jogo.
Acontece que o futebol é um esporte que faz rolar dinheiro em diferentes campos, sobretudo fora do campo. Há bolsas de apostas em todo o mundo. Em Londres, apostaram até na eleição do novo papa; Bento 16 era o favorito e pagou um rateio mixuruca. Fosse vencedor um cardeal da Croácia, o apostador meteria a mão numa bolada.
O boxe, praticamente desde a sua criação e apesar de ser considerado o "nobre esporte", vive mais fora do que dentro do ringue. Basta ler "Menina de Ouro", de F. X. Toole, do qual traduzi um capítulo e que foi filmado por Clint Eastwood, vencedor de vários Oscars deste ano. O livro mostra o que sabemos: tirante algumas lutas decididas por nocaute, tudo é subornado dentro e fora das cordas. No turfe, com apostas oficializadas e clandestinas, a situação é a mesma.
O futebol não podia escapar da engrenagem viciada. Os lances duvidosos (pênaltis, impedimentos, anulações de gol, expulsões de campo) podem ser manipulados por juízes subornados pelas redes de apostas. Na maioria das vezes, por gente que nem gosta de futebol. Gente que gosta de apostar, seja no novo papa, seja na classificação do Figueirense.
Folha de São Paulo (São Paulo) 01/10/2005