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O amor supera o calendário

 

Vovós tiram a roupa por hospital infantil. Doze senhoras decidem posar nuas em calendário para levantar recursos destinados a um hospital de câncer infantil. O grupo de voluntárias inspirou-se no filme "Garotas do Calendário", do diretor Nigel Cole, e decidiu tirar a roupa para levantar fundos para a instituição. Nuas e segurando flores, fizeram fotos para o calendário. Folha Cotidiano, 25.09.2005 


Convidada por amigas para posar sem roupa para um calendário beneficente, dona Isadora hesitou muito. Educada numa tradição de severo moralismo, desaprovava fotos desse tipo, que considerava "baixaria". Além disso, aos 70 anos, não era exatamente um modelo desses que desfilam em passarela, embora conservasse ainda muitos traços de sua passada beleza e tivesse, graças à ginástica diária e a uma dieta controlada, um corpo até razoável para a idade.

De outro lado, a causa era boa; tratava-se de ajudar um hospital especializado em câncer infantil, que precisava muito do dinheiro. Ao longo dos anos dona Isadora sempre participara com entusiasmo em campanhas desse tipo, mesmo que algumas, como a do calendário, fossem um tanto inusitadas, por assim dizer. O certo é que ninguém a recriminaria por sua atitude. O marido, que poderia fazê-lo - era um homem de rígida moral-, falecera há muitos anos, e os dois filhos moravam no exterior; dificilmente tomariam conhecimento do tal calendário. Mesmo que isso acontecesse, talvez até a apoiassem; eram jovens modernos, ousados mesmo. De modo que resolveu ir em frente, e no dia lá estava ela, sem roupa mas atrás de flores, posando para o fotógrafo. A princípio sentiu-se constrangida, mas lá pelas tantas estava até gostando, e foi muito sorridente que apareceu na foto.


O calendário foi um sucesso; muita gente o adquiriu. Então, um dia, dona Isadora recebeu um telefonema. Do outro lado, uma voz masculina cumprimentava-a pela foto:


- Vejo que você continua bela como sempre. Parabéns.


Era o Belmiro, o seu primeiro namorado. Haviam se conhecido no bairro em que moravam; tinham ambos 18 anos e por uns meses viveram uma tórrida paixão. Mas então o pai dele, militar, levara a família para o Norte, o que acabara por interromper o namoro. Por décadas não se tinham visto; agora, no entanto, Belmiro, de volta à cidade, por acaso comprara o calendário e, pressionado pela saudade, resolvera telefonar. Como Isadora, estava viúvo; e, como ela, recordava com saudades os tempos de namoro.


Estão morando juntos e vivendo muito felizes. Belmiro só fez uma exigência: Isadora jamais posará para um calendário de novo.




Folha de São Paulo (São Paulo) 03/10/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 03/10/2005