Não votarei no plebiscito sobre a proibição das armas de fogo. Se fosse obrigado ao voto, o anularia propositadamente, e lucidamente. Trata-se de um escapismo, uma forma que a tal sociedade ética e transparente encontrou para, mais uma vez, empurrar com a barriga um dos problemas mais agudos de nosso tempo: a violência. Com pequenas alterações, pode-se usar a comparação do termômetro. Proíba-se a compra e o uso dos termômetros e não haverá mais febre no país.
Os dois lados da questão têm argumentos respeitáveis. A compra de armas pode colocar um revólver na mesinha de cabeceira ou no porta-luvas do carro. Uma criança, por distração, uma desavença doméstica, um bate-boca no trânsito e haverá um estrago em forma de crime ou de acidente. Ponto para quem é contra a venda de armas.
Os cidadãos éticos, transparentes, republicanos, cumprirão a lei, jogarão fora a arma que compraram no passado e não mais a comprarão no futuro. Literalmente desarmados, darão sopa aos bandidos que continuarão armados, eliminando a hipótese de uma reação por parte da vítima. Ponto para quem é a favor da venda de armas.
As duas hipóteses são óbvias, mas não é por aí que a onda da violência e do crime acabará ou diminuirá. A droga é proibida. Uma vez ou outra, os traficantes são caçados e presos, mas o comércio e o uso da droga aumentam -e todos sabemos que a droga, se não é a responsável única, é disparadamente a causa mais freqüente dos tiroteios, das balas perdidas e 80% dos assaltos nas ruas e residências são a fonte preferencial para os chamados pés-de-chinelo obterem recursos para uso próprio ou para o tráfico miúdo. O graúdo tem outra estrutura, nem precisa de arma.
Uma faca, um caco de vidro ou de lata de cerveja farão vítimas do mesmo modo. A violência não está nas armas. Está em nós mesmos, culpados que sabem o que fazem, inocentes que não sabem o que fazer.
Folha de São Paulo (São Paulo) 06/10/2005