Não costumo adotar decisões radicais para uso próprio, mas as aprecio nos outros. Tive um amigo de juventude que iniciou greve de fome para convencer uma vizinha a dar para ele, quase ia conseguindo, mas desistiu na última hora, não sei até hoje por qual motivo.
Consta que a vizinha deu. Nunca se sabe -diria Machado de Assis, que acreditava e desacreditava em tudo. Tenho para mim que não deu. Mas é uma opinião pessoal e interesseira. Eu também queria, mas não cheguei à greve de fome, como chegou agora o bispo que é contra a transposição do rio São Francisco.
Como ia dizendo, admiro as soluções radicais, os quase-suicidas que sobem nos edifícios ou pontes e ameaçam se atirar caso não arranjem emprego ou a mulher não volte para o lar -o que costuma acontecer em quase todo mundo, inclusive no Japão, onde o haraquiri é um estilo de morrer pela honra ou pela falta de honra.
Não faz tempo, um deputado (ou senador, não tenho certeza) fez greve de fome no Congresso para conseguir a criação de um novo Estado da Federação. Não sei se a greve influiu no caso, o fato é que criaram o Estado do Tocantins.
Leio o noticiário a respeito da greve do bispo. Acho salutar um bispo fazer greve, sem entrar no mérito da questão. Lembro apenas que o projeto é antigo, não exatamente do governo Lula, envolve questões técnicas e polêmicas e vem se arrastando há alguns anos. Mas deixa pra lá.
Volto à questão das greves lembrando um filme francês que fez sucesso mundial e virou até marchinha de nosso Carnaval: "A Mulher do Padeiro". Ela seria aquilo que o citado Machado de Assis chamaria de "patusca". Dava para todos. O padeiro não sabia, quando soube, fez greve profissional: deixou de fazer pão.
A clientela protestou, tentou regenerar a pecadora. Nenhuma preocupação com a virtude, mas com a necessidade do pão de cada dia. Tudo vale a pena se a causa não é pequena.
Folha de São Paulo (São Paulo) 08/10/2005