Acabo de sofrer duro golpe do destino. Sempre acreditei num mundo cada vez pior e num homem igualmente pior. Tinha motivos históricos e pessoais para tanto e tamanho pessimismo, mas eis que dou a mão à palmatória e o pescoço à guilhotina: estamos salvos.
Brasil, Argentina e Venezuela acabam de firmar um pacto de cooperação nuclear "para fins pacíficos". Não conheço em detalhes o tratado assinado pelos três líderes sul-americanos, fiquei no geral, no espírito da coisa: átomos, sim; massacres, não. Nem precisamos de referendo para louvar a decisão dos três presidentes, confraternizados como os três tenores num repertório popular e erudito que satisfaz o gosto médio das platéias.
Posso estar enganado, mas, coisa de dez, 15 anos atrás, o Brasil também assinou um tratado com o Paraguai, comprometendo-se os dois países a explorar o mesmíssimo átomo para o mesmíssimo fim pacífico.
Acredito que o tratado foi eficiente, em matéria nuclear. Tanto o Brasil como o Paraguai mantêm o acordo: não explodiram o mundo, embora haja desacordo sobre a febre aftosa que condenou as nossas exportações de carne. A praga veio de lá ou veio de cá?
Questões menores, irrelevantes, diante da magnitude do acordo nuclear firmado entre as três potências do continente -a Venezuela com o seu petróleo, a Argentina com a sua carne saudável e o Brasil com as suas pizzas.
Recolho-me à insignificância e medito sobre a inutilidade de minha descrença na capacidade e na visão humanitária dos três líderes continentais que dão, como subproduto, uma grande lição ao resto do mundo. No próximo domingo, decidiremos se devemos ou não permitir a venda dos modestos 38 de fabricação nacional. Antecipando-se à vontade do povo, o governo brasileiro assumiu um compromisso transparente pelo progresso e contra a manifestação mais radical da violência. Merecemos três vivas à vida.
Folha de São Paulo (São Paulo) 18/10/2005