As eleições do PT definem o futuro do partido. Parou o faccionalismo. Saíram as estrelas e o próprio Raul Pont reitera que continuará na legenda. É toda uma volta ao bom senso básico de fazer a história e compreender, especialmente por um partido da mudança, o que representam os deveres da vigência. Mencheviques jamais constroem um futuro. E chega a espantar, afinal, o número reduzido de dissidentes que, de fato, se transformaram em refratários em vez de perseguir novos rumos, dentro da continuidade, no dia-a-dia, renunciando às purgas da primeira vociferação.
Na verdade, esse banir-se se confunde com um vedetismo pelo caminho coletivo do partido que se quer diferente. Dir-se-ia até que, a prazo médio, o partido se beneficia dessas saídas, que, afinal de contas, exprimem muito mais o sentimento do "Brasil-bem" e uma velha visão de classe em um aristocratismo inconsciente perante a luta bruta e a expectativa bruta, também, do que seja servir à nação dos desmunidos.
Um dos maiores benefícios, talvez, da legenda que vá à frente é ter, com a saída do estrelismo, se liberado do anacronismo das ditas vanguardas, que se pretendem donas do pedaço da mudança do que seja a esquerda, seu cantochão e suas juras de Cassandra.
Impressiona a caturrice dessas condenações a se penetrarem do micróbio venerável do lacerdismo e consumirem a utopia congelada do socialismo do século passado. Onde está hoje essa efetiva dialética à frente, diante das novas dimensões da hegemonia americana, do pior abalo hoje da esquerda européia e da efetiva condição de vencer a camisa-de-força neoliberal?
As quebras mínimas, de toda forma, resistiram ao fundamentalismo da pureza que levaria o futuro do PT a minifacções, pululando na sua quase inanidade, na crença de fecundar, a seu tempo e quando Deus queira, o partido dos intocáveis, do iluminismo e da detergência do PT.
Os partidos nanicos só se alimentam das promessas da baixa de quórum para o seu reconhecimento. Aldo lambe os beiços com a hipótese da queda do percentual exigido para 2,5% como salva-vida para sua própria legenda e como linha d'água para o respiro do PTB, do PV, do PSC e do PPS. Sem temer do cutelo, por outro lado, para não se falar de renovação, aí está a combinação da melhor fisiologia com o evangelismo, do novo PMR, já a mudar de nome para a mais antiga sigla da Velha República, na boa invocação de Artur Bernardes e Washington Luís. Nem outro berço se poderia esperar para acolher o patriarca e vice-presidente, José Alencar, de todos os sossegos e uma só idéia fixa.
Raul Pont foi o vencedor moral desse pleito, que fecha o ciclo da desestabilização da última trampa denuncista, armada contra o imperativo da mudança. Dentro dos seus quadros, o petista gaúcho quer uma verdadeira Constituinte para repensar o partido, seus estatutos e, sobretudo, a busca realista da alternativa ao neoliberalismo.
A tarefa pode ganhar todo o ímpeto frente aos eleitores do partido, seguros, ao mesmo tempo, da superação de toda treta do impeachment, de par com o respingo generalizado do caixa dois, eliminando qualquer concentração de fogo no pecado do deslumbramento petista dos Delúbios ou da sofreguidão de resultados do governo diferente.
E o governo ganha ímpeto com a iniciativa de autopropor melhorias incisivas, como o financiamento explícito e controlado pelas bases de sua conduta eleitoral. Isso quando o Parlamento renunciou de vez a propor a reforma política ampla, generalizada, lustral para antes da nova legislatura.
A legenda de Ricardo Berzoini, Tarso Genro, Raul Pont, Valter Pomar, José Dirceu, Aloizio Mercadante, Bittar ou Biscaia se expõe, a partir de agora, a ser julgada historicamente pelo que não fizer o partido.
Vencida a fase das cassações-exorcismo e exausta a opinião pública com o anticlímax das CPIs, o ir adiante beneficia-se ainda da última parábola, a bem do caminho desimpedido, à frente.
As forças que votaram contra Aldo no último agrupamento em que instintivamente se encontraram o Brasil do abate a Lula e o da sua continuidade têm o epitáfio do estardalhaço da pseudocrise. O denuncismo começado pela inquietação possível de uma tragédia não saiu do tépido mar de lama dos nossos costumes políticos, de todo o sempre. E não se removeu apenas, na sua repetição pelo grotesco, a desfaçatez tronante do Brasil das clientelas.
O avanço do governo Lula beneficia-se de um duplo virar de páginas. Não só o da farsa de Severino mas também do paradoxo final do cinismo do velho Brasil. O mesmo Jefferson do denuncismo lacerdista é quem, já do fundo de sua cova política, pede como última vontade a retirada de todas as queixas contra José Dirceu. Não vamos voltar ao anátema de Charles de Gaulle de que não somos um país sério. Mas vamos ainda ao teste do Brasil que nasce e acredita para valer no Lula depois de Lula.
Folha de São Paulo (São Paulo) 19/10/2005