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A luta pela vida

 

Não lembro quem disse, deve ter sido algum filósofo pré-socrático ou letra de algum rock dos anos 60 que não fez sucesso: há poucas razões para viver em paz e muitas para viver em guerra. Nada a ver com a luta pela vida em si. O poeta maranhense afirmou que viver é lutar: a "struggle for life" que acompanha a humanidade desde a sua expulsão do Paraíso terrestre.

Compreende-se que devemos ganhar o pão com o suor do nosso rosto, cumprindo a maldição que merecemos pela audácia de provar os frutos da árvore do Bem e do Mal. O problema é que, além da árvore em si, plantada à nossa frente para nos desafiar ("coma deste fruto e serás igual a Ele"), criamos outros desafios que nem chegam a ser árvores, mas capim rasteiro e estéril.


Estamos condenados à ferocidade de guerras ridículas e provisórias que nada conquistam, mas deixam mortos e feridos pelo caminho. Sem muita coisa para fazer, ou para tentar esconder o que fez, o governo encampou uma dessas guerras, não a dos bandidos contra os mocinhos, mas de mocinhos contra mocinhos. Estamos na reta final de uma dessas guerrinhas, cada lado julgando-se dono do Bem e da Verdade.


Jonathan Swift descreveu a luta fratricida de dois povos liliputianos que brigavam há 800 anos por uma causa transcendental: devia-se cortar o ovo cozido do café da manhã pela parte mais gorda ou pela mais estreita? É bem verdade que havia uma lei determinando que o ovo deveria ser cortado pelo lado "certo". O problema era saber qual lado era o certo.


Na questão da venda de armas, o lado certo é marcado pela incerteza de se saber o que de fato é certo. Os dois lados têm bons argumentos e excelentes razões -e aí está uma razão para mais uma guerra de palavras e gestos. Falta do que fazer de uma sociedade que cria para si mesma um problema dentro do problema na ilusão de combater a violência pela violência das razões de cada lado.




Folha de São Paulo (São Paulo) 19/10/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 19/10/2005